7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


19.11.07

Parrillada 6

A sala grande está quase sempre demasiado quente e a luz do candeeiro por cima da mesa, apesar de escassa, aquece-a ainda mais e dá aos móveis sombra em tons alaranjados. A avó, buscando no móvel atrás do sofá, retira de entre os brinquedos e recordações da infância do filho um caderno, um boletim informativo dos tempos do Colégio. Como se o relesse todos os dias, abre-o directamente na página que lhe interessa. Por entre elogios à capacidade de observação, do poder de síntese e de simplicidade, lê em voz alta a descrição do filho, que não teria mais de 12 anos na altura, fizera da Festa das Famílias. Foi qualquer coisa como o que a seguir se transcreve que a avó, naquela sala quente e escura, em passada lenta mas segura, declamou para o neto:
«Vi, li, comi, bebi, brinquei, saltei, joguei, ri».

Os dias esbatem-se. Já não sei se estou a vivê-los ou simplesmente caminho num corredor de espaço e tempo indefinidos, espreitando de vez em quando para portas entreabertas e vendo, em cada uma delas e apenas por breves segundos, imagens de um dia no Chile. Dias que parecem pertencer a outro e outros. Eu, no silêncio do meu quarto, às tantas da manhã, quando a luz da peça 18 é a única acesa da Casa Suecia, já mal me lembro, tão curto foi o tempo que espreitei, desses dias que vi passar.

Das últimas semanas há quatro ou cinco datas que fixo como marcos e, em função delas, tento reconstruir a vida que por cá passou. Dia 14 de Outubro saíu de cá a Xinha; dia 26, chegou a mãe. De 27 a 30 estive na Ilha da Páscoa - honras de post próprio, talvez mesmo posts. De 31 de Outubro a 4 de Novembro mostrei Santiago à mãe e às Mafaldas, incluindo a noite à prima. E, para acabar, dia 8 de Novembro conheci Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, evento que também terá o seu post individual. [formalismo, claro, não vá o acaso trazer alguém da Presidência a este blog]

Ora, aparte as historietas que terão os seus parágrafos de destaque, o que é que se tem passado por aqui? Um pouco de tudo e um pouco de nada. Conhece-se mais pessoas, claro, mas o mais forte é aprofundar os conhecimentos que já se tem. Posso dizer neste momento que tenho cá amigos de todos os continentes. Excepção feita à Antárctida mas, de acordo com as discussões geográficas que vamos tendo (acontece em todos os Erasmus/intercâmbios?), há quem não a considere um continente.

Tenho alternado entre a vida de estudante, ao meu género - muito trabalho em casa e pouco nas aulas - e a de estrangeiro, passeando ao acaso. É dizer, lá tenho feito uns papers e umas redacções - todos com notas acima do 6, incluindo um 7 (igual a 20) e tenho ido a poucas aulas. Bom, agora é indiferente que não tenho mais aulas, só de Español. Nos mientras vou indo a umas fiestas e temos feito algumas, menos mas melhores, cá em Casa. Das caseiras é de destacar a Festa Sem Roupa/Máscaras/Eighties (pessoas houve que vieram só vestidas com coisas que não fossem roupa - toalhas, bandeiras, fraldas, etc. - outras de máscaras ao acaso e, outras ainda, de Anos 80). Fora de casa, voltei a La Piojera, essa tasquinha mais tradicional de Santiago e lar do terremoto (vinho branco com gelado de ananás), onde já tinha ido com a Xinha.

Com a mãe e as Mafaldas visitámos um pouco de tudo. Fui finalmente ao interior de La Moneda, o palácio do Gobierno de Chile, e ao Cerro de Santa Lucia, para além de ter ficado a conhecer o Santuário de Schoenstatt de Santiago. A acompanhar, boa comida em sítios óptimos da cidade como o Liguria, de novo, o Como Agua para Chocolate, e o Peperone, aquele das empanadas óptimas no Barrio Brasil. Resumindo, foi uma semana sem cozinhar. Ficou por ver a casa de Pablo Neruda cá em Santiago, La Chascona. Mas tenho tempo.

Em termos físicos, é de destacar o meu novo pelo. Cabelo rapado (patilhas fora, idem), se não me engano no dia 19 de Outubro que, entretanto já lá vai um mesinho certo, tem crescido com tranquilidade. Tenho procurado comer mais saudável, cozinhando - agora sim! - uma coisa nova todos os dias. Para ajudar à boa forma, abdominais e flexões todos os dias de manhã e à noite, que não há dinheiro para ginásio e o da Universidade é longe. Quanto a futeboladas, só hoje voltei a espalhar magia em canchas chilenas. Ah, antes fosse! Por falar em futebol, no dia 21 de Outubro assisti ao grande derby santiaguino, Colo Colo - Universidade de Chile, no Estádio Monumental. Experiência brutal ao lado dos hinchas do Colo Colo, ninguém se sentou o jogo todo. O bairro à volta do Estádio, que não se vê de fora porque é escavado no chão, esteve fechado por barricadas dos Carabineros. Controlo total, que não evitou desacatos e 20 detidos. Dentro das quatro linhas, o Colo Colo cedeu um empate caseiro a 2-2, tendo falhado um penalti e deixado a vitória escapar ao sofrer um golo nos últimos minutos. Quando tiver fotografias coloco num albúm dedicado a Santiago aqui ao lado.

O meu castelhano evolui seguro, com alguns chilenismos já dominados em conversas quotidianas. Nos próximos dias virá um post/dicionário das expressões próprias do castelhano chileno. Também estou com um inglês escorreito já que mais frequentemente do que volta e meia falo inglês com os "angloparlantes" cá de Casa. Tenho tentado praticar o francês sempre que posso mas tem sido difícil - só conheço um francês, o Benjamin, e ele gosta de falar espanhol. Depois há a Sanaa, a franco-marroquina do curso de Español, com quem falo francês via net. Mais as experiências com a Marine, em San Pedro de Atacama, e o francês que subiu comigo a la cumbre do Volcán Villarica.

Tenho tentado fazer o máximo que posso só que, embora saibam bem as tardes cá em casa com os meus "hermanos suecos", às vezes dou por mim com um sentimento de culpa, ou apenas medo, não sei, por não estar seguríssimo, sem dúvidas, se estou ou não a aproveitar ao máximo. É que já nos demos todos conta, está a acabar. O primeiro da "nossa geração" (Casa Suecia 2º Semestre 2007) a voltar para casa foi o Heider, brasileiro de Salvador da Bahía, no fim-de-semana passado. Não raras vezes é possível encontrar-me a olhar nostálgico para uma parede, um quadro, o céu, uma pessoa. Eu e todos. É que é fácil imaginar uma ampulheta a esvair-se, rapidamente, de areia, levando-nos a todos daqui para fora. O meu dia 100 foi esta quinta-feira, 15 de Novembro, e já só me faltam 26 dias em Santiago.

Para a família, em Portugal, são boas notícias. [serão?] O tempo esgota-se e eu sigo são e salvo, claro. E, num instante, vou estar em Lisboa. Eu, na ânsia de beber o que me resta de Chile, deixo telemóveis e mails de lado, excepto o da faculdade mas esse não o têm. Até evito o blog, ainda que tenha recuperado alguma constância. Comunico pouco com a família mas tento fazer saber que está tudo bem sempre que posso. Como no caso do terramoto de quarta-feira, em que eu, era meio-dia e tal, comecei a pensar em tremores de terra. Vim a saber mais tarde, tinha havido um no Norte do Chile, 7,7 na escala de Richter, e que está a afectar tantos sítios que conheci na nossa road trip tuga. Por sorte, as construções são mais sólidas que no Peru e não teve o efeito devastador que teve o de Agosto nesse país, ainda que quase tão forte. E, afinal, senti-o bater devagarinho cá em Santiago.

Aproveito as minhas viagens de transportes públicos, agora que já conheço os truques, atalhos, horários que não existem e as manhas dos autocarros da Transantiago e dos metros, para ler. Tenho lido muito, à média de um livro por semana, tentando guardar uns para a Viagem pela Sudamérica. Entre o que tenho lido destaca-se El jardín de al lado, de José Donoso, romancista chileno; O Poder dos Sonhos, conjunto de artigos de Luís Sepulveda, escritor revolucionário chileno; A Cidadela Branca, de Orhan Pamuk, turco Prémio Nobel da Literatura de 2006; e Viagens por um País Longo e Estreito, de Sara Wheeler, escritora inglesa que é paga para viver e viajar em países estrangeiros e escrever sobre isso. Rica profissão. Se alguém conhecer um editor que não seja nada exigente apresente-me que eu sou capaz de ficar por aqui. [pronto, agora arrasei o coração da família e da namorada]

Rapidamente, para quem quiser uma amostra do que se tem passado por estes em Santiago, onde a temperatura tem chegado aos 30º C e os índices de radiação solar aos 16, acima do nível máximo saudável que é 10, aqui ficam umas fotografias de uma das noites; é que normalmente não se tira fotografias enquanto se escreve papers, ou se lê um livro, ou se vê um filme, ou se come, ou... Bom, mas para fotografias de dia, para as poucas que há, esperem por uma nota minha a anunciar novos albúns aqui nos Retratos da Sudamérica.

[a mítica La Piojera]

[Andrés (Colômbia), Joaquín (Equador), Juan (Espanha), Manu (Portugal), Tuomas (Finlândia)]

[simbiose]

[numa sala a céu aberto, em casa do Pancho (Chile), tropecei e caí sentado ali;
ainda hoje tenho espinhos]

[Manu, Joaco, Juanito y Andrésito;
ah e digam adeus àquele cabelo, foi a última fotografia]

Enfim, numa frase, «vi, li, comi, bebi, brinquei, saltei, joguei, ri».

17.11.07

A primeira oral

Ou como ando às avessas.

Sabia que tinha uma prueba (de Derechos, Deberes y Garantías Fundamentales) marcada para dia 12 de Outubro, a sexta-feira em que voltei com a Sanchinha para Santiago. Aliás, voltei por causa da própria prueba. O que não sabia, porque se decidiu durante a semana em que estava no Sul, é que essa prova era oral.

«Ah, boa», imagine-se a minha cara de parvo a olhar para o quadro onde afixam as salas de exame. Mal consegui responder à colega que me reconheceu e perguntou se eu sabia onde era o Anfiteatro 3. Por acaso, vá lá, para essa pergunta até estava preparado.

O problema de ser oral, para quem ainda não percebeu, é porque é como jogar à roleta. Qualquer pergunta pode sair, de qualquer matéria e com o grau de dificuldade que o professor, ou professores, bem entender. Eu não tinha estudado muito, mas o suficiente para uma prueba escrita como a primeira, com algumas perguntas genéricas. O que eu não ainda não alcançara é que esse teste não tinha corrido tão bem como eu pensava. O meu estudo abarcava umas horinhas no bus de Castro para Santiago, em que fui lançando impropérios sobre a matéria como «Mas quem é que precisa de saber de Direito do Médio Ambiente? Isto é só porcarias do género cultura geral - desenvolvimento sustentável, poluição, blá, blá, blá», e outro par de 60 minutos de manhã, ainda sob o trauma [nem por isso!] do furto insidioso do iPod.

Bueno, vá lá que os professores - dois, mais dois ayudantes - decidiram, ao contrário da minha Clássica, que era por regime de voluntariado. Quem estiver pronto, que se chegue à frente, em vez de se seguir a lista. Eu não estava, de longe. Se fosse em Lisboa, com a pica das orais, provavelmente teria sido o primeiro a levantar o braço. Outro pormenor é que desta vez, ao contrário da primeira prueba, havia um certo formalismo. Os professores de fato e gravata, como sempre, mas os ayudantes também impecáveis - o Gonzalo num fato de tom beige claro, gravata a condizer, e a Marcela de saia preta e camisa branca. Sim, trato-os pelos nomes porque os ayudantes cá são mais monitores que assistentes, o que é dizer que têm, no máximo, a minha idade. Toda a gente os trata por tu.

E eu, bem, eu, que na longíqua prova escrita me apresentara semi-pipi, de camisa e sapatos de vela, estava agora de ténis e long-sleeve. Vá lá que era preta, mais discreta, e tinha feito a barba quando chegara a Casa. A minha preocupação, de qualquer maneira, era outra. Era saber a matéria bem. E isso, ao lado de ver compañeros de clase de ténis, t-shirt larga e barba por fazer, varreu de vez o aspecto formal da minha cabeça.

Lá ganhei duas horas enquanto assistia às provas. No geral, sabia responder a metade das perguntas que estavam a ser feitas. Ninguém estava a chumbar - as notas são dadas na hora - e só a primeira voluntária corajosa tinha tido um 4 (equivalente a 10 em Portugal). Ia dizendo à Xinha, afastada para eu estudar, que ia ser o primeiro a chumbar, se não o único. Estava tão absorto (com medo?) que quando me perguntou uma colega qual era o meu apelido, não percebi. Só quando ela teve pena do "chico extranjero" e soletrou lentamente «T-U L-E-T-R-A» é que percebi o que queria. «C». E ai que os B já foram.

«Cordeiro».

Chegou a hora. Lá desci as escadas do auditório. E, como me acontece em Lisboa, estava calmo. Era indiferente. Quando faço orais pára tudo. É a coisa que me deixa mais desligado do mundo, dos meus problemas, da minha obsessão em resolver a crise da Segurança Social, da confusão que me faz o Sporting não limpar os jogos todos em Alvalade, de tudo e mais alguma coisa. Fazer uma oral. Frente a frente, olhos nos olhos com o professor. Saiba ou não a matéria, já aprendi alguns truques de como "pedir ajuda" ao interlocutor, aproximando-me do que querem que responda pouco a pouco. Ou, pura e simplesmente, de dizer «não sei», quando não vale a pena a aproximação. É um jogo duplo. Os conhecimentos são 90% do que se exige porque para se ter a nota que se deseja os outros 10% dependem da sorte, da calma, da concentração. Se estiver muito nervoso a garganta seca e fecha-se no fim da primeira frase e aí, meus amigos, acabou. Game over.

Qual efeito psicossomático, agora levo sempre uma garrafa de água. Pode ser que esteja tão fluido que nem precise, até porque pode nem estar calor. Mas se alguma hesitação começa a secar o céu da boca tenho ali a amiga ao lado. O que dá momentos curiosos, em que se revela um desprendimento saudável como «Desculpe, senhor professor», e dá-se dois ou três goles a meio de um raciocínio, para refrescar a boca e as ideias, para incredulidade da assistência com tal desplante mas com sorriso cúmplice do professor.

Voltando a Santiago. [até porque não sou nenhum Platão, Marcelo Rebelo de Sousa ou Daniel Kaffee, que domine assim tanto as orais; safo-me, vá]

A pergunta sai disparada, era o único tema de que ainda não se tinha falado. Era tão pouco importante que nem me lembrava de não ter ouvido nenhuma questão sobre ele e, obviamente, era aquele a que tinha dedicado menos tempo de estudo. Claro, era o dos impropérios, o derecho a un medio ambiente libre de contaminación. «O que é isso? Meio ambiente? Livre de contaminação? É importante? Como funciona? Olhe que é igual em Portugal...» Boa, ainda bem que é uma matéria que nunca na vida estudaria, porque não tenho de, em Portugal.

Lá me lembrei de uns conceitos, mas... O mas foi o espanhol. É que já estava há duas semanas com a Xinha e andava a falar muito mais português que castelhano. Os "desarrollado" saíram com os R fechados, à Lisboa, apesar de já conseguir mandar uns R beirões e castelhanos, rrrrroliços, com a língua a badalar entre o céu e o chão da boca. Nesse dia, nada. Essa e outras. Como aquela frase «No, porque este es un derecho que está garantido... [risos nas galerias] hummm... garantízado, blá, blá, blá».

Mau espanhol à parte, o que fica nos livros é a nota. Sem saber a nota do teste anterior, mas sabendo que estava abaixo do 4 mínimo exigível, precisava de um 4,5 ou um 5, vá lá, para acabar com uma média de pruebas positiva.

«Hummm, muy bien... 5,5», sentencia o Profesor Rodrigo Díaz de Valdés, vestido sem falha de fato italiano e de aparência de jovem lorde.

«Gracias», só consegue dizer este desconcertado portuga, ainda a maldizer o seu espanhol, sem se aperceber que acabara de sacar um 15.

«Ah, y tu paper, muy bueno», elogia o Gonzalo, acenando com a cabeça.

O sorriso abre-se. «Sí? Gracias». Já sabia a minha nota do meu primeiro paper/ensaio em espanhol de sempre, que tinha feito há umas semanas. Já tinha visto a pontuação na net dois dias antes.

6,4, que é como quem diz 18. Dezoito. Devia ter vindo estudar para cá há quatro anos atrás.

13.11.07

Ups and Downs

Porque a vida é feita de altos e baixos, também os meus meses em Santiago teriam de o ser. Os últimos três dias da Sanchinha cá não poderiam fugir à regra.

Faixa 07. Gorillaz - Dare

[música acelerada para o ritmo frenético dos últimos dias]


Down
Chegámos a Santiago à hora de ponta, na manhã de sexta-feira (lembrem-se que estamos a 12 de Outubro), vindos de Castro. O dinheiro era escasso, daí a opção por ir de metro para casa. Saíu mais caro. No meio do rebuliço, pessoas, barulho, muita tralha, cometi o erro fatal de deixar a mochila pequena às costas e o iPod no bolso do lado. Isto apesar de me terem avisado, ainda em Portugal, que o Metro de Santiago era um paraíso para os carteiristas. À saída dei pelos bolsos da mochila semi-abertos e soube logo o que se passara. Bom, quem anda à chuva molha-se e eu estava bem encharcado. De qualquer maneira, qual capitalista consumista privilegiado, já tenho um substituto trazido pela prima dos States, free of taxes.

Up
Prueba oral - mau espanhol, boa nota; digna de post próprio.

Down
Cansaço acumulado da viagem e pouco dinheiro obriga a noite caseira na mesma sexta-feira, para desespero da Xinha. Acabámos divertidos em Casa com os meus "hermanos suecos", mas podia ter conhecido mais de Santiago. Desculpa.

Up
O regresso a Valpo. Como garantira, voltaria lá. Para mostrar à Xinha aquilo que considero como o verdadeiro Chile. É que, do que conheço - que é pouco! - Santiago é muito europeu; San Pedro de Atacama demasiado turístico ainda que desértico; os Lagos bastante (daquilo que imagino que sejam) Alemanha, Áustria, Suiça; Chiloé tem algo de Irlanda, realmente; talvez só no caminho para o deserto tenha encontrado o mesmo verdadeiro Chile, mas Valparaíso tem uma energia e uma cor que se retém muito melhor na memória.


[a parede de um hostal de Valpo]

Do dia em si, foi pena termos saído de Santiago já tarde mas foi uma experiência completa. Andámos, qual povo de Valpo, para trás e para a frente de micro (bus), ascensores e a pé. Pelas ruelas sujas e vielas pintadas de novo, tudo cheio de sol. Menos energia no ar que da primeira vez, já que o Chile jogava nesse dia na Argentina (perdeu 2-0).


[Xinha, cor e luz]

Subimos ao Ascensor Artillería, o maior da cidade, por cima do porto e de onde se tem uma visão amplíssima da baía até Viña del Mar. Passámos pelas mesmas calles que eu já conhecia mas a magia, essa, continuava lá. Depois de subirmos (para mim, pela segunda vez) ao Ascensor El Peral, fomos até ao Concepción, provavelmente o mais conhecido. Para além da vista, tem uma série de cafézinhos impecáveis. Um deles será mesmo o melhor spot de Valpo, ainda que caro e turístico - o Café Turri, mesmo em frente ao Reloj Turri, onde bebemos um chocolate quente e comemos um croissant de salmão e alcaparras, ao pôr-do-sol. Classe.


[se não fosse por esta placa, não se dava pelo Ascensor Concepción no meio do turbilhão de Valparaíso]

Up
De regresso a Santiago no mesmo dia, a tempo da festa do Carlos, companheiro chileno cá de Casa. Lá fomos a um bar/discoteca e, Bellavista, sem pagar nada por termos o nome à porta. Classe, outra vez. Última noite, última rodada e último reggaeton para a Xinha, agora que já se tinha habituado.


[casalinho na noite]

Down
E porque toda a papa doce se acaba, a Sanchinha tinha de se ir embora. Ainda estávamos a fazer compras (de última hora, claro!) no centro da cidade e já estávamos cheios de saudades. É que por muito que isto das novas tecnologias nos aproxime a todos ao nível de transformar o mundo numa aldeia, ainda há muito por fazer. Está por vir - não virá! - o invento que recrie aquele abraço e que apague, enfim, a mais portuguesa das palavras, o mais tuga dos sentimentos, a saudade.

Faixa 08. Death Cab for Cutie - Lack of Colour

[ficar a ouvir baixinho;
a música que não acabei de ouvir no iPod, antes de o guardar na mochila;
a falta de cor de Santiago, depois de a Sanchinha se ir embora]

11.11.07

Afinal sempre há um país à volta

Eu tenho um problema. Não é muito grande, mas existe. Quando quero escrever sobre acontecimentos já com alguma distância dá-me um certo bloqueio. Não é falta de vontade de escrever mas, por já ter passado algum tempo, perco o ângulo de escrita, a forma como quero abordar as coisas. Tudo isto se resolveria se usasse mais o Moleskine que comprei antes de vir para cá mas a sede de viver aquilo que se vai passando leva-me a usé-lo muito pouco. Deste problema nasce alguma hesitação no desenvolvimento do blog. Felizmente tive uma ajuda externa. Ferreira Fernandes, colunista no DN, e que leio quase todos os dias, opina hoje sobre a facilidade de em certos eventos da História se esquecer o cidadão anónimo que neles participa. E, porque "good writers borrow from other writers, great writers steal from them outright", fiquei-lhe com a ideia, ainda que imperfeita, e com o título deste artigo. Obrigado Ferreira Fernandes.


A conhecer um país estrangeiro facilmente nos damos conta das suas idiosincrassias, da sua identidade. Como cultura e como sociedade. Sabemos até descrever, em termos gerais, as suas gentes. Mas, a não ser que travemos amizades mais que de passagem, mais que superficiais, rapidamente esquecemos as caras que encontrámos e ficamos só com as nossas impressões. A maior parte das vezes erradas ou incompletas, no mínimo.

Gostava de falar com maior profundidade dos chilenos e, aqui em particular, dos chilotes. Não o posso fazer, contudo. Resta-me apenas, além de descrever sucintamente os nossos dias em Chiloé, falar da cultura e identidade do povo chilote.

Mística e misteriosa, a sociedade que se desenvolveu em Chiloé (ver informação geral aqui, e sobre a mitologia aqui) é originariamente Mapuche, nativos do sul do Chile. Os que se fixaram neste arquipélago estabeleceram, no entanto, uma micro-cultura com um dialecto próprio (huilliche, face ao mapudungun comum aos Mapuche) e acreditando na existência de seres humanos e sobre-humanos com poderes especiais, sobretudo para "explicar" a geografia chilote, a relação de forças entre o azul do mar e o verde da terra.

Faixa 05. Youth Group - Forever Young


[no ferry do Continente para a Isla Grande]

Este contraste colorido conhecemo-lo a atravessar o necessário ferry, do continente para a Isla Grande, a sul de Puerto Montt. Depois, à medida que nos embrenhávamos mais para dentro da Ilha, eu e a Sanchinha rendemo-nos às suas cores, principalmente o verde. Sim, realmente faz lembrar a Irlanda. Chegados a Castro, encontramos outras fontes de cor - os palafitos, casas de madeira sobre a água, assentes em estacas.


[a cor dos palafitos]

Castro é uma cidade (cidade?) pequena mas com um ritmo frenético. Ao menos tão frenético quanto um pueblo com pouco mais que uma dúzia de ruas pode ser. Serve como porto central do arquipélago e ponto mais importante de trocas. A sua rua principal - San Martín, que termina, adivinharam, numa Plaza de Armas, qual rambla envolve-nos e engole-nos enquanto buscamos alojamento. No fim de algumas recusas, nossas e de hotéis, lá encontramos o Hostal Cordillera.

Um dos quadros dentro do Hostal, ao lado da casa de banho, por acaso, descreve as figuras da mitologia chilote. Todas explicam algo - as ilhas e o arquipélago que se formou, gravidezes inesperadas, noites baças e sem memória causadas pelo álcool, tudo.

O grande contraponto a este paganismo de índole Mapuche são as igrejas de madeira de Chiloé. Construídas por missionários jesuítas, são já cabeça de cartaz turístico do arquipélago. Entre o Parque Nacional, que ocupa mais de 50% da Isla Grande, e os pinguins da Península de Punihuil. As igrejas, símbolo já da ilha, portanto, não representam assim tão idealmente a evangelização dos chilotes, já que muitos, se não todos continuam a dar importância aos ritos e mitos anteriores à Cristianização.


[a Iglesia de San Francisco, em Castro]

Pelo pouco tempo que passámos em Chiloé, e por alguma falta de planeamento, acabámos por concentrar-nos em conhecer as ditas igrejas. Ah, e em comer bem, especialmente peixe. E, claro, o curanto, cozido de vários tipos de carne, peixe, marisco e batata. Discute-se se a sua origem é Mapuche ou polinésica. Uma polémica importante do ponto de vista da colonização do Pacífico e da Sudamérica. A ela voltarei dentro de alguns posts.


[a Sanchinha com um palafito restaurante por trás]

Para conhecer algumas das igrejas - são dezenas - fizemos um roteiro dividido em dois dias e que nos afastou decididamente da rota do Parque Nacional e dos pinguins, para cada qual precisaríamos de um dia inteiro.

Foi assim que demos por nós em Chonchi, primeiro, numa tarde de sol. O ponto mais a sul do Globo onde já estive; e não creio que conheça alguém que tenha estado tão perto da Antártida - a Cidade do Cabo, África do Sul, é mais a norte. Maldita a hora!; acabei por deixar lá, por descuido meu e má fé de uma família chilena, os meus (da família) Ray Ban Aviator. Rest In Peace, my friends.


[Igreja de Chonchi]


[tirei os óculos para sacar esta chapa de Chonchi...e o resto é história]

Faixa 06. Evermore (Dirty South Remix) - It's Too Late

No dia seguinte, o último (quinta-feira, 11 de Outubro), fomos até à Isla Quinchao, a segunda maior, através de Dalcahue (aqui, mais um pueblo mais uma igreja). Em Achao, a capital daquela ilha, foi construída a primeira igreja chilote. E deste pueblo tem-se uma vista incrível, em dis de céu límpido como nesse, para o continete e para os Andes, quando La Cordillera penetra na Patagónia.


[Igreja de Dalcahue]


[um certo tuga "sudamericanizado" em Achao, frente ao mar, com os Andes lá no fundo]


[Igreja de Achao, a mais antiga de Chiloé]

Despachado mais um óptimo almoço marinho e vista a igreja entrámos em mais uma corrida contra o tempo, típica de bagpackers ("mochileiros"), portugueses, ou minha. O bus para Santiago - agora pela Cruz del Sur, não pela TurBus - saía de Castro às 17.05h, e o de Achao para aí chegava cinco minutos antes, via ferry em Dalcahue. Isto imaginando uma situação sem atrasos, que há sempre, ainda que mínimos.

Sem telemóvel ("morrera" em Pucón), lá liguei de uma cabine para o Terminal de Buses de Castro a pedir para que o nosso autocarro saísse mais tarde. Disseram que sim, sem hesitar. Esta atitude tranquila, mesmo que causa de atrasos, é que conquista o estrangeiro a cada passo que dá no Chile, especialmente fora de Santiago.

A viafem de saída de Achao foi a grande velocidade, dentro do possível que são 60 kms/h, com o micro bus apinhado e a porta aberta. Lá nos deixaram numa ponta de Castro, de onde corremos para uma "cama com rodas" (viajámos num Salon Cama, melhor que primeira classe de avião). Chegámos a tempo, saímos tarde mas, dezoito horas depois, estávamos do que a tempo em Santiago.


[caminha!]

Para trás ficava a Patagónia insular, os lagos, o verde, o misticismo Mapuche e, lá está, os chilotes que não conhecemos.

10.11.07

La Cumbre

João Garcia, o maior alpinista português de todos os tempos, decidiu, aos 15, 16 anos, inscrever-se no Clube de Montanhismo da Guarda. O maior problema, o facto de morar em Lisboa, não o impediu. Pegou na sua bicileta, num boião grande de doce, nalgum, pouco, dinheiro para comprar pão pelo caminho, e lá foi ele. Demorou três dias. A partir daí os seus feitos foram sempre a subir (literalmente). Esta história, no entanto, apaixonou-me logo de início e tenho uma grande admiração por ele, tanto pelo adolescente maluco como pelo adulto recordista.

Faixa 03. The Killers - Mr. Brightside (Live)

Em Pucón, pequeno pueblo na margem do Lago Villarica e no sopé do Vulcão com o mesmo nome. Menos de 24 horas depois de lá ter chegado, já estava a seguir as pisadas ao alpinista. Não, não andava de doce de morango no bolso, mas sim a subir a uma montanha. Mas vamos por partes (já dizia Jack, O Estripador). [ah!já faltava uma piada seca no blog]

Depois de uma viagem de noite de TurBus, de sexta para sábado, em que pouco dormi, e a Sanchinha menos ainda, chegámos a Pucón. A TurBus oferece vários serviços, desde o clássico - autocarro normal - até ao Premium - com camas. A nós calhou-nos o primeiro e, apesar dos bancos serem mais espaçosos e reclináveis que em autocarros normais ou em aviões, não era grande substituto de um colchão. Por isto, mal demos por nós na residência, fomos dormir, enquanto os outros portugueses, chegados dois dias antes, já se aventuravam a subir ao vulcão. Este dia passámo-lo depois numa almoçarada tardia (um hábito enquanto ela cá esteve, o que veio ajudar ào meu aumento de peso, já tendencial antes) e num pôr-do-sol (voltaram os pôr-do-sol) espectacular por cima do Lago. Depois disto encontrámo-nos com os portugueses, queimados do sol, desfeitos de cansaço mas com aquele ar de felicidade próprio de quem se supera a si próprio. Motivaram-nos a ir subir ao vulcão, e foi assim que conhecemos a Spirit.


[em Pucón, com o Vulcão Villarica lá atrás]

Chegámos à agência de tours estavam a fechar as portas mas acolheram-nos com um sorriso. Queríamos subir ao vulcão mas só na segunda-feira, para nos habituarmos à ideia e abrir os pulmões com os ares do Lago. Pero...

«Mañana es el día»

Esta frase foi decisiva. Que o tempo ia fechar segunda-feira, e que domingo estaria perfeito, ainda melhor que sábado. Eu, motivado, e a Xinha, receosa, lá aceitámos. Vamos.

O dia seguinte, o da escalada, começou cedo. Ainda não eram sete da manhã e estávamos a sair do hostel. Paragem na Spirit para equipar, por o nosso farnel de supermercado nas mochilas e listos. Lá fomos nós, com 3 guias - Miguel, César y José Tomás (ou el Pato) - e um grupo de 6 pessoas (dois portugueses -nós, um inglês a viajar antes de tirar o curso de Direito, um francês que trabalha no Chile e um casal de holandeses que vim a descobrir depois que eram famosos -link.).


[a Xinha, já física e mentalmente preparada para subir ao Vulcão]


[de certeza que estamos a pensar na mesma coisa]

Estava determinadíssimo a subir ao cume e penso que foi isso que me ajudou a ultrapassar as dificuldades todas. O frio, primeiro, depois o calor, o peso do equipamento, as dores nas pernas, o enterrar na neve, o ar rarefeito. Houve mesmo ali um período de quinze, vinte minutos em que duvidei, altura da subida mais íngreme, que chegasse ao fim. Mas consegui, e valeu a pena. A Sanchinha, à sua medida, superou-se e, depois de três estações/paragens em que disse que desistia, chegou a 2/3 do total. Muito corajosa, e muito feliz no fim do dia. Como nos separámos, deixei-lhe a máquina fotográfica por isso as minhas fotografias do topo são cortesia dos Fietsers in Actie - a tal dupla de holandeses famosos, que está a dar a volta à Sudamérica de bicicleta e que angaria patrocínios pela net para ajudar projectos sociais nos vários países (agora, construir uma escola numa aldeia no Peru).


[a Xinha conquista a montanha]


[en plena Cumbre]


[do alto deste Vulcão, 40 outros vos contemplam]


[desfeitos, mas heróicos]

Faixa 04. The Kooks - Naive

À noite, ida às Termas Los Pozones, para relaxar os músculos. Um final de dia de comunhão perfeita com a natureza, desde os desafios que nos pôs no vulcão até acolher-nos nas águas quentes e no vapor, sempre com um céu sem fim por cima.


[descanso do guerreiro]

Dia seguinte, hora de fugir mais para Sur. Para Castro, capital de Chiloé. Esta é a segunda maior ilha da Sudamérica, a seguir à Tierra del Fuego, embora seja também um arquipélago, com dezenas de ilhas habitadas mais pequenas. Geograficamente é já Patagónia, mas, apesar do frio e da humidade, não há neve e a paisagem é mais de Irlanda, como muito gostam os chilenos de comparar. Os chilenos do continente, porque os chilotes vêem-se a si como únicos, com a sua mitologia, História e culturas próprias.

Para lá chegar tivemos de fazer um desvio para a costa, para Valdívia. Lá chegámos ao princípio da noite e mal saímos do bus fomos bombardeados por pessoas a oferecer alojamento. No meio da confusão, depois de confirmarmos referências num cyber-supermercado dentro do Terminal de Buses, acabámos por escolher a residência de uma jovem, a cinco minutos a pé do centro e a cinco do dicho Terminal. Mas algo de estranho se passou e demos por nós estávamos num táxi com uma velhinha com voz esganiçada, quase imperceptível, com um daqueles ares exteriormente inofensivos e que por isso mesmo nos fazia desconfiar. Íamos dormir à sua cabañita.

Bom, não sei se me perdi na tradução, mas "cabañita" não corresponde a um quarto dentro da casa da senhora, num bairro já longe do centro. É que já cá estou há quase três meses e já sei umas coisas de espanhol. Umas coisas, poucas, ao menos. Mas já lá estávamos e, atravessando um hall/quarto em obras, com um forte, mesmo agoniante, cheiro a tinta, lá encontrámos o quarto destinado, com "baño privado". Vá lá, não tivemos de partilhar a casa de banho com a velhinha e o misterioso filho, que nos abriu a porta mas se escapuliu rapidamente para o andar de cima. Algo de Psycho se passava aqui.


[expressão da felicidade pelo barrete que nos enfiaram]

Acabámos por ficar lá, mas fugimos para o centro para ir comer qualquer coisa. E ainda bem. Valdívia, tão elogiada nos guias e pelos próprios chilenos, pareceu-nos uma cidade tristonha e feia, cinzentona. A vida estudantil pela qual é conhecida, contudo, lá a encontrámos num restaurante/bar/ponto de encontro cheio e animado, sugerido pelo inevitável Lonely Planet. Lá nos atulhámos de sandwiches gigantes, regadas a sumo ou cerveja.


[o café La Última Frontera, ponto hip de Valdívia]

No fim, lá nos resignámos a seguir o pedido da senhora - «a las doce en casa, chicos!» (repetir em voz alta, num volume baixo mas da forma mais esganiçada possível). Chegados, dormidos, fugidos dali rapidamente às oito da manhã. Para Chiloé, Patagónia insular.

6.11.07

Parrillada 5

Ou quando a parrillada é uma feijoada à portuguesa e Santiago parece Lisboa.

Faixa 01. Mariza - Ó Gente da Minha Terra

Como já tinha dito, a Sanchinha lá veio de Portugal, dia 27 de Setembro, quinta-feira, ainda mal estava eu refeito da viagem ao Norte. Sem saber bem o que esperar, encontrou um namorado cheio de saudades, uma Casa Suecia que a acolheu como se fosse lá residente e uma cidade com os omnipresentes Andes como pano de fundo. Acho que gostou.

Antes que tivesse tempo de pensar muito nisso, já estávamos os dois a fazer compras a um sábado de manhã e de tarde para uma jantarada portuguesa. Problemas logísticos - o tomate pelado, que parecia não existir, as couves, que se chamam todas lechuga e não são iguais às portuguesas, os feijões, que só se vendiam num supermercado, caríssimos. E a falta de panelas em condições lá em Casa.

Apesar de tudo isto, parece que correu bem. As farinheiras e as morcelas que a Xinha tentou clandestinamente fazer passar deram o toque que faltava. Duas ideias acerca destas chouriças; uma, escrevi "tentou", porque foi apanhada, embora não lhe tenham feito nada (trazer alimentos crus para o Chile é proibido e multado com elevadas multas) - estava sozinha, é uma moçoila gira e tal, lá se safou e trouxe os ditos enchidos; segunda, infelizmente para os estrangeiros, os portugueses "abarbataram-se" à farinheira e à morcela e, tirando o Juan (espanhol), vão ficar sem saber a que é que sabe. Melhor assim, que talvez não apreciassem, ou pelo menos não soubessem apreciar. De qualquer maneira, foi muito gabada e ouvi mesmo dizer "mejor que la brasileña" (até por brasileiros ehehe).


[Sector tuga 1;
Xinha, Tomáz, Gonçalo M., Luís, Miguel]


[Sector tuga 2; (da esquerda em cima, no sentido dos ponteiros do relógio)
Bernardo, Diogo, Carolina ("turista"!, não estuda cá), Gonçalo C.]


[Sector internacional 1;
Rafaela (Brasil), Carolina, Lúcia (Brasil), Corina (Venezuela), Deborah (Brasil), Marta (Brasil), Ella (Alemanha), Heider (Brasil)
+ Michaela (Áustria), ou Mica, em plano de fundo]


[Sector internacional 2;)
fila de cima - Joaquín (Equador), Corina (Venezuela), Amanda (Chile), Daniza (Chile, ex-residente);
fila do meio - Karla (México), Andrés (Colômbia), Nohemi (México), Marta (Brasil;)
primeiro plano - Rafaela (Brasil), ou Rafa]

Depois dessa noite, a primeira que levou a Xinha a conhecer a noite de Santiago, no Sala Murano, e o reggaeton, algumas notas de registo da semana seguinte, em que a mantive "presa" em Santiago.

Faixa 02. La Secta feat. Eddie D. - Locura Automática

Domingo, dia 30 de Setembro, foi data da primeira Copa Intercontinental de futebol feminino, da Casa Suecia. Fui treinador - embora um pouco ausente - da equipa Europa. Nestes amigáveis costuma dizer-se que o que fica para a História é o convívio (para não ter que se dizer que a nossa equipa perdeu por 4-2 ou 5-2).


[As jogadoras;
fila de cima - Sarah (Alemanha, ex-residente), Corina (Venezuela), Mica (Áustria), Marta (Brasil), Britta (Alemanha), Ella (Alemanha), Deborah (Brasil);
fila de baixo - Susana (Equador), Joana (Portugal, não mora cá mas gostava de morar... ou não), Griselda ou Gris (México), Karla (México), Nohemi (México), Elizabeth ou Eli (Áustria, ex-residente), Rafa (Brasil)]

Duas pruebas, uma do Seminário de Contratación Internacional (em inglês), na segunda-feira 1 de Outubro, e outra de Derecho Procesal Penal, sexta, 5. A primeira correu muito bem, o que não se pode dizer da segunda. Não estava à espera de um teste de escolha múltipla em que as perguntas se repetem, umas com hipóteses de respostas quase iguais e outras mesmo iguais. Ou seja, se formos coerentes com as nossas ideias ou acertamos uma data de perguntas que dizem ou mesmo ou falhamos todas elas. A opção alternativa era "jogar no totoloto" - responder ao calhas. Tentei fazer aquilo certinho e coerente, vamos ver no que dá. Ah, outro pormenor, podia comentar-se as respostas que se dava, o que aproveitei para fazer e, já agora, criticar também as perguntas. Tenho um feeling que esta lata de estrangeiro é capaz de não me ajudar muito. Hummmmmm.

Finalmente conheci algumas partes essenciais de Santiago - e turísticas também. Como Bellavista e o Cerro San Cristobál. E aproveitei para iniciar uma foto-reportagem de Santiago que vou colocar nos Retratos aqui ao lado "al tiro" (chilenismo para muito rápido, já já, de seguida).


[a Sanchinha e o "seu" nacionalismo chileno]


[no Parque da Avenida Providencia, que faz parte da artéria principal de Santiago]


[uma casa na calle Pio Nono -link, no Barrio Bellavista, bairro boémio de Santiago]


[vista do Funicular do Cerro San Cristobál, mientras subindo]


[no alto do Cerro, ao pôr-do-sol;
this is what Santiago is all about]

Na sexta-feira, 5 de Outubro, feriado em Portugal e eu em pruebas, acabada a prova de Procesal Penal, e enquanto a Xinha estava nas compras - óbvio! - enfiei-me numa igreja (a Iglesia de S. Francisco de Assis, edifício colonial mais antigo de Santiago), no centro da cidade, ao pé da faculdade. Enquanto a visitiva começou uma missa, e assim foi que tive a minha primeira eucaristia no Chile. A repetir, noutras igrejas melhores e mais jovens.

Nessa noite, nova saída de Santiago, para Pucón, no Sul. Como já deu para perceber pela descrição da road trip das Fiestas Pátrias, no Chile as distâncias mede-se em horas. No caso foram onze, em mísero serviço Classic da TurBus.


[no "táxi-vaca", a caminho do terminal de buses]

Vamos a isso

Para à frente é que é o caminho. Ando eu aqui com vários textos escritos e só a minha auto-censura impede a sua publicação. «Não estão bons o suficiente», penso. E esta mania de adiar leva-me a perder interesse, num ciclo vicioso que se estende às poucas mas muito valiosas pessoas que ainda lêem o blog com paciência.

Então siga a marilha. De rajada vêm os textos já anunciados no blog antes, mais um mapa e pelo menos três albúns aqui ao lado. Ah e a viagem ao Sul e a parte turística em Santiago é digna de banda sonora, pelo que vamos continuar com isso.

Mãos à obra, Manu. Ou, nas palavras de Jorge Palma, «Portugal, Portugal, de que é que tu estás à espera?».

3.11.07

Pausa para respirar

A ideia de fazer um blog é sempre boa. Conseguir mantê-lo actualizado é outra história. Já não sei se o comecei por um exercício de vaidade ou se queria sinceramente ter um diário on-line para ir contando as minhas histórias no Chile.

As duas, provavelmente. E, por isto, merecem um pedido de desculpa as pessoas que, aos bochechos, ainda vão tendo paciência e o lêem. Vou tentar actualizar o blog até ao dia de hoje o mais depressa possível, de preferência este fim-de-semana.

Para isso espera-nos a história de uma feijoada, uma semana no Sur contada em dois posts, uma já tradicional parrillada e alguns apontamentos soltos sobre "o umbigo do mundo". E rápido de volta a Santiago que há muito trabalho para fazer.

1.11.07

Fiestas Pátrias - Epílogo

Algo fica sempre por contar, sobretudo de grandes viagens e quando o relato se faz muito tempo depois. As fotografias vão ajudando a não perder as memórias e assim o serão de futuro, de uma forma muito melhor que os meus textos. Estes dão uma perspectiva muito subjectiva do que passou, sendo que tudo aquilo que por que passámos tem uma leitura diferente de pessoa para pessoa.

Embora com alguns problemas depois com a empresa de rent-a-car, e o caro que nos saíu termos ido de carro alugado - e jipes 4x4, não um Suzuki Alto - toda a viagem valeu a pena. Pelas cidades, pelas paisagens, pelo deserto, pela Panamericana, pelo mar, pelos pinguins que não vimos, pelos lamas que vimos, pela fiesta, pela noite às estrelas, pelos pôr-do-sol, pelos pôr-do-sol quando queremos dizer nascer-do-sol, pelo verdadeiro Chile e, claro, pelas pessoas e pelo espírito entre todos os portugueses.

PS - Para que apreendam melhor toda a nossa experiência, juntei um mapa à secção Por el Suelo e hei-de juntar um albúm, com mais fotografias do que as já publicadas, na secção Retratos da Sudamérica.

VII. Últimos Cartuchos





«Ah estes são os Filhos da Nação...»



[a lua, alta, no ínicio da nossa última noite]

Como bons portugueses, decidimos poupar na última noite e fazer um plano baratinho mas de maneira que pudéssemos aproveitar tudo. Jantados no MacDonalds de La Serena e sem hostel reservado, lá avançámos para Coquimbo, onde o outro grupo de portugueses tinha passado a noite antes.

O espírito foi de última noite. Foi de aproveitar e celebrar esta viagem onde encontrámos e vivemos de tudo. Mas não a esticámos ao limite porque ainda havia uma última paragem, pela manhã, o Valle de Elqui ,onde se produz o pisco, a bebida nacional chilena (ou será peruana?). Directos de Coquimbo lá atravessámos as montanhas para o profundo coração andino.Aqui, o tal vale, todo ele verde, apresenta-se orgulhosamente como o berço desse pisco, maldito pela conflito com o Peru (ver aqui para o piscu peruano) e, como bebida barata que é, facilitar o alcoolismo violento muito frequente nas camadas pobres do país, algo que comprovámos nesta viagem.

Não se pode dizer que tenha valido muito a pena, por estarmos mortos de sono, o tempo estar mau e o vale não estar tão verde como isso. Mas lá ficaram as chapas e assim a legitimidade de adicionar mais um ponto neste mundo próprio, de tantos contrastes que tem, que a História acabou por criar num só país, o Chile.



[o vale, pouco verde e ainda adormecido pela falta de Sol]

Seguindo para Santiago, de novo passando por La Serena para llenar de benzina, lá nos mentalizámos, uns acordados outros a dormir, que a nossa aventura ao Norte Chico e ao Norte Grande estava no fim. Que voltava a vida "normal" em Santiago. Não que a vida custe assim tanto pois, mesmo com aulas e controles de lectura e pruebas e tudo, a liberdade que temos permite-nos encarar tudo muito tranquilamente. Mas Santiago é reflexo de economia desenvolvida, civilização ocidental e viemos para o Chile para conhecer o outro lado, o do deserto solitário e das montanhas nuas, aquilo que não encontramos na Europa. Tudo isso, agora, já estava definitivamente para trás.



[a despedida do mar, perto de Los Vilos, quando a auto-estrada vira resolutamente para Santiago, para as montanhas]

VI. Ó Mar Salgado

Quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal?

Faixa 11. Blood Diamond OST - Solomon Vandy

A relação dos portugueses com o mar não tem um princípio nem um fim. Faz parte da nossa geografia, História, cultura, ciência, desporto e até da nossa fé. Não posso falar por todo um povo, mas acredito mesmo que precisamos dele para sobreviver. Ou para nossa paz de espírito, e tranquilidade, no mínimo. Afinal, através dele nos fizemos grandes e é por ele que somos ou podemos ser de alguma importância, na Europa e no Mundo. Por todos os oceanos e mares os portugueses deixaram sangue, súor e lágrimas. E no meu corpo e na minha alma o levo.

Eu e provavelmente todos os que fizeram esta road trip. Só assim se explica, dobrados os tormentos que o deserto nos criou, a paz connosco próprios que encontrámos aos primeiros sinais do Pacífico. Todo o caminho desde Chañaral, onde me resgataram, até Caldera, com o mar à nossa direita, foi como um longo suspiro de alívio. Não só por deixarmos finalmente o deserto profundo para trás mas também por que nos sentíamos finalmente no nosso elemento natural. Venham os desertos, a neve, as mais altas montanhas e as mais tenebrosas selvas mas dêem-nos mar, no fim. Aqui estamos em casa, seja no Atlântico, no Pacífico ou em qualquer outro mar ou oceano.

O alojamento, já familiar, em Caldera e a tarde na praia da Bahía Inglesa fizeram-nos rejuvenescer anos. A segunda camada de pele criada pela areia e sujidade do deserto, que nos entranhavam o corpo e a felicidade, desapareceu nas águas do Pacífico. O pôr-do-sol dessa quinta-feira, cada um com a sua Corona na mão, o primeiro nas águas do mar, encheu-nos de vida para aproveitarmos as 48 horas de viagem e liberdade longe de casa (leia-se Santiago).




[la tienda que lo tiene todo;
uma imagem típica sudamericana, antes de saírmos de Caldera]

Sexta era dia de pinguins. No caminho para Sul, em direcção a La Serena - Coquimbo, desviámos para a Reserva Nacional Pinguino de Humboldt, lar dos ditos Caleta Chañaral (não confundir com a Chañaral cidade), onde se apanha o barco para a Ilha com o mesmo nome, a grande desilusão. O vento que surgira nos últimos dias picara o mar de tal forma que ninguém se atrevia a pegar no barco e a levar-nos, por que preço fosse. Ficámo-nos por conhecer as casas e o marisco locais. Acabámos a almoçar, tardiamente, no Joni's, onde ficámos amigos do José, guia turístico local, e de um chileno que vivia ali com a família, mas que já tinha vivido uns anos no Brasil.




[depois da almoçarada;
Gonçalo M., José, Joni, Diogo, Bernardo e Manel]

Para Sul, decididos a testar a capacidade do jipe - e a nossa sorte, mais uma vez - preferimos seguir junto à costa, pela praia. Por areia, buracos e rochas, seguindo um jipe com uma família chilena cujo patriarca, bem-disposto, assegurou que conhecia o caminho para Punta de Choros, onde se apanha a Ruta 5 para Coquimbo. Rocha nua, escarpada sobre o Oceano, vento forte, frio que começa a surgir com o pôr-do-sol. Estas foram as condições que superámos. O mais difícil foi quando nos enterrámos na areia, com o mar a dois metros e a maré a subir depressa, o sol já fugido no horizonte. Sob a ameaça de ver a água levar o jipe, depois de tudo o que se passou, pusemo-nos todos de gatas a escavar à mão a areia que tapava as rodas.




[no caminho pela costa; rochas escarpadas e areia;
e o mar, sempre o mar]




[toma lá mais um pôr-do-sol;
algures entre a Caleta Chañaral e a Punta de Choros]

Com mais ou menos dificuldade, lá chegámos a Punta de Choros e, daí, para a Ruta 5. Mais a Sul, em Coquimbo, a última noite desta road trip já estava à nossa espera.