7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


29.12.07

Na Terra do Tudo

Ou Feliz Navidad em Buenos Aires.

É difícil escolher uma característica apenas que nos atraia na capital argentina. Ou säo as avenidas, enormes e rasgadas, ou os edifícios e monumentos, grandiosos como em Paris, ou o movimento, sem parar as 24 horas como em New York, o glamour, a beleza das mulheres, a quantidade de jardins, como em Amesterdäo, as noitadas até de manhä, a carne, jugosa como em lado nenhum e ao preço da chuva, o espírito entre as pessoas do hostel, ou o ambiente entre portugueses.

Já chega. Buenos Aires encanta e encantou, prendendo desde o primeiro sopro quem entra. É, por isto mesmo, complicado para mim falar dela sem pôr a questäo "Porque escolhi Santiago, Chile, e näo Buenos Aires, Argentina?". Agora que estou longe de ambas mantenho a opiniäo que tinha quando optei por Santiago - Buenos Aires é muito mais bonita e agitada, mas o Chile atrai-me mais. E depois do que vivi este semestre, e pelos amigos que fiz, tenho a certeza que fiz uma grande escolha.

Na capital porteña, por entre passeios de bicicleta (longos, que a cidade é enorme), jantares de parrillada regados a vinhos Malbec (casta argentina), visitas a La Boca, bairro do futebol e do tango, siestas ao sol nos jardins, ou a partilha de estórias, viagens, cervejas e cigarros com os hostelmates de todas as nacionalidades, demos por nós a passar o Natal em Buenos Aires.

O espírito natalício era curto, longe do quentinho aconchegante da família, e com outro calor, o do Veräo, rompendo todo o nosso imaginário de Natal, com frio e neve (neve?). Whatever. Além disso, fugindo à ceia no hostel para um jantar tuga, só encontrámos restaurantes caros abertos. Ao fim de duas horas de vagueio e quase desespero, acabámos, ao engano, num sítio com muito bom aspecto, preços nada caros e lugar para todos. Ao engano, porque afinal tinha mesmo menu turístico para a ceia da nochebuena. Negociado, lá baixou de 200 para 100 pesos argentinos e, com mais umas garrafas de vinho (e uma de oferta), acabou a 130 por pessoa (menos de 30€). Numa jantarada que em Portugal seria o triplo do preço. Muito agradável, muito agradável.

Passámos a noite no hostel, em grande fiesta navideña, onde fizemos uma troca de presentes entre portugueses. Apesar de a alguns deles só os conhecer há pouco tempo, foi óptimo descobrir que os presentes para o amigo secreto respectivo foram escolhidos com imensa intençäo. É o bom de viajar com pessoas que näo se conhece (ou mesmo com as que se conhece há muito tempo) - rapidamente nos conhecemos e nos aproximamos, unidos em torno do que nos une, sobretudo o mais forte, viajar por esta Sudamérica.

O último dia inteiro em Buenos Aires foi, apesar de tudo, um martírio. A caminho de entregar as bicicletas furei um pneu. Fiquei sozinho a tratar de tudo - enche pneu, näo enche que está pinchado; tenta enfiar a bici num táxi, näo dá porque näo deixam ou näo cabe; tenta reparar, näo querem reparar. Lá pöem um parche, um remendo, um bocado contrariados. Obrigado, volta a rebentar quando já estava quase no fim do caminho. Mais 10 minutos a levar a bicicleta à mäo. No dia em que mais se quer aproveitar, menos se faz. É esta a última impressäo que fica da cidade?

Näo, que ainda tivemos uma última noite no hostel. Marca-se encontros (impossíveis?) em Ushuaia, em Bariloche, na Europa; aprende-se mais sobre viajar e viver. E, presente de Natal, duas amigas do Chile fazen um esforço e vêm ao hostel despedir-se mesmo quando o Bessa e eu, já sozinhos, nos preparávmos para sair de Buenos Aires. Gracias Mica e Britta, vemo-nos por essa Europa.

No terminal rodoviário, a fechar, Buenos Aires mostra-nos mais e ensina-nos a abrir a pestana para estas viagens. Primeiro, o velho do truque do "tienes horas", enquanto tentam surripiar a mochila. A pergunta, repetida mesmo olhando para o relógio que eu lhe mostrava, fez alguma coisa abanar dentro de mim e olhar para as nossas tralhas. O cúmplice de t-shirt azul sacava a mochila pequena do Bessa por trás das costas dele. Sem conseguir emitir um som, corro para ele, que já tenta fugir. Vendo-se apanhado, larga a mochila e foge. O Bessa, abananado, tenta correr atrás do das horas, que se mistura na multidäo e desaparece. Mas a mochila ficou. A fechar, o nosso autocarro das 21.30h era afinal às 21.05h, hora a que resolvi consultar o painel das saídas e descobrir o meu engano. Um bilhete täo difícil de arranjar (fomos os últimos dois a comprar) e ia deitando-o ao lixo com esta brincadeira. Até porque o Bessa e eu somos pródigos em perder transportes (para quem sabe, Bratislava!). Fica a liçäo de Buenos Aires - abrir os olhos, para as mochilas e para os bilhetes.

Foi longo o tempo que ficámos em Buenos Aires, 5 dias numa viagem de 2 meses. Mas näo podia ter sido menos. Cidade "ampla, verde e enóloga" (Bessa dixit), agarrou-nos desde o princípio, mostrou-nos o ritmo entre o tranquilo e o louco dos hostels, e deixou-nos com a necessidade, mais que vontade, de voltar lá.

25.12.07

Eles andem aí...

...e voem.

Rumo a Sul.

De Punta a ponta

Corre.

O vento, a off-season de Punta del Este, a ausência de movimento (quase), a saída da Península.

Corre.

Por outro lado, o sol e calor, a alegria, o hostel colorido, os preços, a tranquilidade.

Corre.

Desde Punta del Este, na parte Este (qual outra?) do Uruguai, até Colónia de Sacramento, em pleno Rio del Plata, virado para Buenos Aires.

Corre.

A Miami da Sudamérica e a fortificaçäo portuguesa que permitia o tráfico para Buenos Aires, de acordo com os interesses portugueses dos séculos XVIII-XIX.

Corre.

O dinheiro esticado ao máximo e a necessidad de sacar dinero de un cajero.

Corre.

O caminho da Rodoviaria até ao HSBC foram cinco minutos de corrida, quando percebes que já näo corres há meses. "Corre", diz a voz dentro de ti. É preciso apanhar o bus para Montevideu e depois para Colónia. E à medida que os teus amigos te esperam na Rodoviaria e tu excedes os limites físicos presentes vais esgotando os últimos segundos de Punta, que te fazem notar a definiçäo de Punta del Este sem movimento - poucas pessoas, pouca agitaçäo, mas um sol e mar incríveis, quase perfeitos, fosse ao por ou ao nascer do Sol.

Corre.

A verdade é que já estou em Buenos Aires. Apanhei aquele bus?

24.12.07

41 anos a virar frangos

"Virar frangos" é caläo para "saber muito", especialmente usado pelo Bessa e por mim desde a EuroTrip de Fevereiro 2007. Ouvia-a a primeira vez, verdade seja dita, da boca desse grande conhecedor do vernáculo português que dá pelo nome de António Pedro Caldas Matias, vulgo Toy.

O Uruguai näo desilude. Primeiro, como näo gostar deste castelhano (castijano, portanto) em que os ll e os y säo pronunciados com j. Depois, a paisagem - ou verde ou água. No fim, a descoberta da Ciudad Vieja de Montevideu.

As voltas pela cidade velha montevidenha, o almoço no Mercado del Puerto (parrillada regada a Medio y Medio!) e o doce fazer nada na Plaza Independencia, jogando â bola com crianças ou só a beber cerveja e apanhar sol. À noite, fiesta na Calle Bartolomé Mitre, acabando já com o sol alto na Rambla marginal vazia.

Näo cheguei a apresentá-los mas os meus irmäos de armas neste início de Tour säo três, às vezes cinco. O Bessa, com quem vou viajar até ao fim (Que paciência!), obviamente já planeando viagens futuras (o eternamente adiado Interrail, a Route 66 nos EUA, Índia e Sudeste Asiático e, a cereja no topo do bolo, fazer África por inteiro, ligando a Cidade do Cabo a Ceuta). Mais, o Gonçalo (Lalo; Lálonge para os zucas, pelos seus 2m e pico) e o Bernardo (ou Biá), housemates do Bessa da Carlos Góis. E ainda os Joäos da muito longíqua FDL, o Martinho e o Castilho, que estudaram no Rio este semestre, com quem nos encontrámos em Florianópolis, Montevideu e agora Buenos Aires. Mas calma, que já lá vamos.

Por agora estávamos em Montevideu, ainda longe de sair para Punta del Este. Estávamos a atalhar caminho entre a parrijada, ao balcäo de um tasco do Mercado del Puerto, por entre riñones, chinchurrijones, morcillas, chorizos, pojo e outras. À nossa frente um senhor com ar experiente (eufemismo para velho), encarregado da parrilla/grelha, fazia saltar as carnes enquanto atirava toros de lenha para o fogo e geria as brasas, gritando ainda ordens para dentro do restaurante. Näo me lembro do nome, se o perguntámos, mas uma coisa fixei. Está há 41 anos a virar frangos. Literalmente.

16.12.07

Vai p'rá lá que vou p'rá cá

Finta que os brasileiros atribuem ao Robinho e que nós, tugas, reclamamos para o Cristiano Ronaldo. Descreve-se como um jogo de pernas e ancas que leva o adversário a dirigir-se para um lado, enquanto o artista segue tranquilamente para o outro.

Ao sabor da estrada, tenho andado a fazer esta finta na vida real. Do Rio para a Foz do Iguaçu, daqui para Ciudad del Este (Paraguai) e de volta, do Iguaçu para Curitiba, como porta de passagem para Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina. 2 países e 4 estados dentro do Brasil - Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Ao contrário do Cristiano Ronaldo ou do Robinho, a "finta" foi feita muito devagarinho. Depois de uma directa na Carlos Góis, onde fica a mais mítica casa tuga no Rio (tem passado por mãos portuguesas nos últimos três anos), saímos para Foz do Iguaçu às 10 da manhã, já com duas de atraso. 25 horas e quatro - quatro - ônibus depois, chegávamos à cidade das Cataratas. Quatro autocarros porque teimavam em quebrar - limpa pára-brisas, freio e caixa de velocidades. Valeu a pena? Já se sabe, tudo vale a pena se a alma não é pequena. Não é. Nem as Cataratas. Para aqueles, como a mãe, que gostam de realçar o engenho do Homem, a Foz do Iguaçu esmaga-nos com a força inigualável da Natureza. Engenho de Deus? Se for verdade que cada pedra, cada árvore, cada animal ou pessoa são postas no Mundo para que o dia as possamos encontrar no nosso caminho, obrigado pelas Cataratas do Iguaçu.

Na mesma tarde, um salto à Ciudad del Este, junto à fronteiro do lado do Paraguai. Compras (é uma zona franca; ou, nas palavras do Bessa, "parece a Uruguaiana, que é três vezes a feira da Praça de Espanha, mas em tamanho de cidade"; para quem conhece a Urguaiana no Rio...) - óculos Ray Ban da feira (8 euros); cartão de memória Sony (20 euros); relógio Nike da feira (4 euros; o do Bessa não durou 24 horas); jantar japonês a 8 e regresso alucinante para o Brasil em moto-táxi (4 eróis). Paragens nas aduanas do Paraguai e Brasil - hilariantes.

Primeira paragem, Paraguai.
"Puede carimbar, por favor?"
"Está entrando de Brasil?"
"No, estamos saliendo."
"Entró sin registrarse?"
"Uuhhh, si, el bus no se quedó aquí."
"Pero, si está saliendo, para qué quiere el carimbo en el pasaporte?"
"Recuerdo, recuerdo." [pim. carimbo.]

Segunda paragem, Brasil. [fila de 20 pessoas e nós com 10 minutos para chegar]
"Desculpe, tenho de esperar aí?"
"Tem, sim."
"Não posso passar sem carimbar. É que tenho visto para 7 meses."
"Quê? Você saíu para o Paraguai agora tem de carimbar entrada."
"Mas eu não carimbei nada a sair, o ônibus não parou."
"Saíu ilegau do país? Multa di 100 reais."
"Mas eu tenho visto de 7 meses..."
"Bem, só posso fazer uma coisa - vocês não saíram do Brasiu, também não vão entrar" [segue.]

Lá apanhámos mais um ônibus e depois de um pequeno-almoço em Curitiba, demos por nós em Florianópolis, ou Floripa para os amigos. Para continuar o nosso ziguezague pela América do Sul tratámos logo das passagens para Montevideu, próximo destino. Até lá ficamos na prainha, numa boa, durante uns dias.

Vá você p'rá lá que agora eu fico aqui.

Para cá da Cordilheira

Sentado num segundo andar de uma ruela pequena mas movimentada em Barra da Lagoa, Ilha de Santa Catarina, abro o moleskine e passo uma vista de olhos pelos últimos dias e pelos 10 posts que tenho de escrever sobre o meu último mês no Chile. Decido saltar esse período e guardar os posts, escritos em tópicos, para outras alturas. Quando os postar vão estar com a tag Remirada. Mas agora, agora é tempo de seguir viagem.

A saída de Santiago foi triste. Muito. A lágrima chegou a estar cá fora à medida que me afastava de Casa em direcção ao aeroporto. Quis o destino - ou o motorista - que fizessemos um percurso que apanhou alguns dos lugares marcantes da minha vida este semestre. A Casa Central da PUC, jardins, ruas no Centro, tudo visto da perspectiva das cinco da manhã, quieto, solene, cinzento. De luto. De despedida. Chegara ao fim.

Começava uma nova etapa - a Viagem pela Sudamérica. Tudo muito lento no aeroporto, mais os 144 dólares de excesso de bagagem, eu a atrasar-me com todos estes problemas, sem dormir, mais o Starbucks fechado. Uma conjugação de factores que me empurrava de volta para Santiago. Resoluto, opus-me a tudo e lá saí. Para o Rio.

Avião da LAN Chile impecável, televisão em cada banco, sozinho numa fila de três lugares, a viagem ideal para me desligar do facto de estar a sair de uma ciudad a que me habituei a chamar de minha, do semestre mais brutal da vida.

Atravessar a Cordilheira dos Andes foi o marco. O cortar do cordão umbilical - já não sou mais chileno, santiaguino, sou um cidadão destra Maíuscula América, seja de que país for.

O Brasil não me chamava especial atenção, queria sair de lá o mais rápido possível para voltar a mergulhar no imenso mundo hispano-americano a que me habituei a pertencer. O Rio, talvez sentindo esta minha quase hostilidade, recebeu-me com as luzes dos corredores e das salas do aeroporto sem funcionar, sem hipótese de trocar dinheiro. Lá me meti num táxi e cheguei ao Leblon. Banho no mar e filet com queijo no Bigpólis depois, estava atolado em água - levantou uma tempestade tropical que só nos largou quando, um dia depois saímos do Estado do Rio de Janeiro.

Hei-de lá voltar em Fevereiro, alimentado por histórias do Bessa sobre a Cidade Maravilhosa. E aí vou querer viver tudo. E o Rio vai receber-me com sol e luz. E até o filet com queijo vai saber melhor.

4.12.07

O umbigo do (meu) mundo

Te pito o te henúa. Expressão rapanui (língua de Rapa Nui) para dar o nome à Ilha.

Do que tenho vivido em Santiago nos últimos 20 dias tem afastado qualquer hipótese de passar muito tempo em Casa ou, se cá, do computador. A emoção dos acontecimentos que ficaram por narrar desvanece-se. Ou melhor, não a emoção de os ter vivido mas antes a melhor forma para transmitir aquilo que senti. No fundo, é uma questão de maior proximidade com o realismo, descrever as coisas como são, ou de expressionismo, apresentá-las de acordo com aquilo que nos fazem sentir. Ou metaforizando com o meu quadro preferido - o objectivo é o Starry Night, evolução artística do Starry Night Over the Rhone, ambos do Vincent. Só que toda a emoção que sou capaz de transmitir agora está ligada aos últimos dias em Santiago, aos quais tento desesperadamente agarrar-me.

Mas estive lá. E a história desta viagem, por muito que me agarre agora ao presente, faz parte já da minha vida e a oportunidade de a viver e, agora, de a contar foram outros dos motivos que me fizeram escolher o Chile.

O umbigo do mundo, ou Te pito o te henúa. Não sei porquê a razão por trás deste nome polinésico, mas é ideal para a encruzilhada, com três caminhos, em que me encontro, e a que trouxe o blog. Uma estrada leva-me de volta ao passado, onde vejo Rapa Nui (e o post que merece) qual cicatriz matriz de vida na Terra, de ligação ao ventre do Globo, pequena marca no Pacífico. Outra, que ainda atravesso, é Santiago do Chile, umbigo do meu mundo, do meu semestre, cicatriz que ficará para sempre marcada em mim, quando seguir para o outro caminho, que me fará cruzar a Sudamérica para depois me levar a casa, em Portugal.
















[No umbigo do mundo ----------------------------------------- No umbigo do meu mundo]



PS - este post foi escrito depois de iniciado o próximo, o que descreve a viagem a Rapa Nui, mas tinha de ser feita esta introdução; para hora - fictícia - de entrada escolhi a dada pela soma das coordenadas de Rapa Nui (27º 7' S 109º 23' W), a partir da meia-noite.