7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


27.1.08

Ao fim de näo sei quantos quilómetros

Uma pessoa perde-se e deixa coisas para trás.

Nesta viagem, mal menor para mim, tem sido só escrever no blog. De resto tenho tudo comigo, nomeadamente os Big Five - Passaporte, carteira, máquina fotográfica, Ipod e telemóvel.

Estamos em Copacabana, a da Bolívia, e dentro de umas horas em La Paz. Mais notícias e estórias atrasadas ficam para a capital.

Até logo.

16.1.08

Sinal de vida

[Bariloche, Argentina]

Só para dizer que sigo vivo, bem vivo e bem vivido, nesta Sudamérica.

O hostel surreal em que estou e o tempo de viagens de autocarro impede-me de escrever muito, mas no meu Moleskine tenho três posts na ponta da folha, mais um de fotografias.

Estamos de saída, de vez, da Argentina, mais um país que se fecha. E daqui vamos para Santiago - de regresso a Casa! - onde poderei por aqui tudo o que está em falta.

Vemo-nos daqui a muitos quilómetros, num sítio que já conhecemos.

9.1.08

O Mundo está ao contrário

Sentido de humor apurado ou a necessidade de nos agarramos a este Mundo?

O hostel em que ficámos em Ushuaia, depois de uma nega e de algumas voltas pelo traçado rectangular da cidade, chama-se Yakush. O nome, da língua nativa da Tierra del Fuego, já ninguém sabe o que quer dizer. Lá dentro, nas paredes coloridas, lê-se, entre outras frases "el fin es el princípio" e "el mundo está al revés". Paradigmático, o globo terrestre na recepçäo foi alterado para que o hemisfério sul esteja na parte de cima.

Ostenta-se orgulhosamente o título de cidade mais a sul do Mundo. Ou simplesmente O Fim do Mundo.

O ambiente na rua é de vilazinha nas montanhas, uma estância de ski. As pessoas estäo encasacadas e chamar Veräo a isto só pode ser uma piada. Para cenário de Alpes ou Pirinéus falta, contudo, a neve atirada pelo chäo e a marca de óculos no bronzeado da cara. A atmosfera é de aventura. Afinal, a Antártida está aqui a dois passos (e uns milhares de dólares), e tanto na Tierra del Fuego como na Isla Navarino (a sul, território chileno), têm muito para descobrir.

Nós fizemos a nossa parte, com um trekking de três horas no último dia do ano, no Parque Nacional da Tierra del Fuego, por entre lagos e florestas, com montanhas cobertas de neve no topo. Um aperitivo para Torres del Paine. Esticamos as pernas, calibra-se as máquinas fotográficas (especialmente a reflex do meu escudeiro Bessa), começamos a viver a Natureza e a tentar libertar-nos do ar condicionado e pegajoso das 50 horas em autocarro que nos trouxe até aqui.

No hostel, e em geral, somos dos mais novos. Somos os mochileros pendejos ["pendejo" é caläo castelhano com vários sentidos, entre eles o mais suave é "putos com a mania que sao espertos"], segundo o dono do hostel, e fugimos ao mercado que ele procura para o Yakush. A verdade é que somos dos mais animados, conseguindo mesmo descontrair a responsável pelo hostel na noite de Fim de Ano e fazer com que viesse sair com todos. O Fim do Ano no Fim do Mundo foi uma festa da globalizaçäo, tendo dito Feliz Ano Novo em várias línguas, desde o português de Portugal e do Brasil ao croata, passando pelos óbvios inglês, castelhano, francês, italiano, entre outros. Buon Anno! Feliz Año Nuevo! Bon Année! Happy New Year!

Uma equipa no nosso hostel realiza um documentário para uma televisäo croata. Nas ruas toca-se e faz-se barulho. Os hostels convertem-se em discotecas. Os paquetes ancorados no porto, cheios de americanos, buzinam para o ar. É festa como em outro lado qualquer, mas aqui as pessoas parecem agarrar-se mais à necessidade de festejar. Como precisam de se agarrar à Terra, já que estamos täo a sul que estamos de pernas para o ar. Ou entäo, estamos täo seguros que mais parece que estamos nós no topo do Mundo. Já näo éramos portugueses, de tanto falar e festejar noutras línguas. Fazíamos parte de uma massa enorme, de uma força imparável que anima os mais intrépidos e audazes a romper barreiras e a fazer-se à estrada por esse mundo fora. Como no globo do Yakush, o Mundo estava ao contrário. E nós estávamos lá em cima, felizes, quase (!) desligados dos milhares de quilómetros que nos separam daquilo a que até há pouco tempo nos habituámos a chamar de casa.

Muita montanha depois

Cinco dias de caminhada, cerca de 80 kms.

Ninguém disse que ia ser fácil, nem divertido, mas é este tipo de coisas que nos faz sentir vivos.

De volta à civilizacäo, em Puerto Natales, com um dia de descanso antes de voltar a entrar na Argentina. Tempo para esticar os músculos, por o sono em dia, rever as contas bancárias (que susto!) actualizar o blog e ver como páram as modas na Patagónia chilena.

Ainda que haja muito para escrever, é impossível näo me sentir inspirado pelo corpo dorido que trago comigo, pelo céu azul à minha frente e pelo ar fresco e limpo fora do cyber-café.

3.1.08

Radio silence

Incontactavel durante os proximos cinco dias.

Se quiserem saber por onde ando, e o que ando a fazer, vao ao Google e escrevam Torres del Paine.

Depois conto como foi.

Over and out.

1.1.08

Na Terra de Ninguém

Ou Como chegar ao Fim do Mundo.

Näo é qualquer pessoa que vai à Tierra del Fuego. Daí a cumplicidade que se gera entre as pessoas que partilham o autocarro de Rio Gallegos para Rio Grande e, depois, para Ushuaia.

A nossa entrada no bus, tardia mas com estilo, é muito saudado e o espírito entre todas as pessoas é muito bom. Toda a gente mete conversa com toda a gente. "Son de Portugal? Yo tengo un apellido portugués - Pereira"; "Adonde va usted?". Oferece-se e reparte-se comida, ensina-se coisas sobre a Patagónia e a Tierra del Fuego.

O mais curioso é estas terras estarem divididas entre Chile e Argentina. Por quatro vezes passámos em Aduanas. Sai da Argentina. Entra no Chile. Sai do Chile. Entra na Argentina. Pelo meio viajamos por terras de ninguém, por terras disputadas e por algumas ainda defendidas por minas antipessoais. E cruzámos o Estreito de Magalhäes, num dia calmo, entrando assim na maior ilha da Sudamérico, baptizada por Magalhäes [traidor ao serviço de Espanha, segundo o meu Sancho Pança] ao ver as fogueiras dos nativos por trás das montanhas.

Aqui, picardias sobre petróleo, gás natural e pastos férteis à parte, sente-se a tal magia. No olhar íntimo das pessoas, nas paisagens, nos ventos polares que nos atacam sem piedade. Estamos a Sul. Estamos, Antártida à parte, no ponto mais a Sul do Mundo. Só o conceito é estranho o suficiente para por a cabeça a andar à roda e os pulmöes a respirar mais devagar. A realidade, meus amigos, a realidade do que se vê e se sente é indescritível.

Venham cá abaixo ver isto.

Na Terra do Nada

Ou Onde é que nós estamos?.

Rio Gallegos, 36 horas depois de Buenos Aires. Nem nós sabemos bem onde é que isto fica, quanto mais as nossas famílias.

[para que se saiba, Rio Gallegos fica no Sul da Patagónia Argentina, junto à costa, e é a porta de saída para a Tierra del Fuego]

Comparado com Buenos Aires, esta pequena cidade tem de facto muito pouco e nada que se acrescente a esta viagem. Já o Lonely Planet avisava. Junto do terminal rodoviário, um camping onde estreamos a tenda comprada à saída de Buenos (mostrámos que ainda temos sangue campinaciano a correr em nós. tal a rapidez com que montámos e desmontámos a tenda); no centro, restaurantes onde comemos bem e barato e ciber-café onde passámos horas na Internet e a jogar Playstation, depois de uma frustrada visita a um museu. [e aquele palerma que jogava Playstation sozinho com a namorada sentada ao lado a ver?!]

Nem aquilo que parecia que nos ia ser "oferecido" por Rio Gallegos, os 120 pesos que ganhámos no casino, acabou nosso, mas de um taxista da cidade.

É que, depois de uma alvorada antes das sete da manhä para apanhar o autocarro das 8.30h, o nosso fado de "maus apanhadores de transportes", encontrou-nos neste cantinho escondido do Mundo. Estávamos no terminal às 8.04h, mas isso näo chegou, porque a hora tinha mudado (adiantado) na noite antes.

Em sintonia, o Huckleberry Finn e o Tom Sawyer (leia-se, Bessa e Manel) decidem apanhar um táxi. A nós junta-se um americano (estado-unidense) professor de inglês que vai ter com os pais (a fazerem um cruzeiro) a Ushuaia. Nem meia hora depois alcançávamos o autocarro, ainda antes da fronteira, fazendo o taxista festejar ainda mais do que nós. Lá o deixámos, 170 pesos mais rico, feliz por si e por nós, enquanto que eu, subindo para o bus, decidia que nada acontece por acaso.