7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


17.11.07

A primeira oral

Ou como ando às avessas.

Sabia que tinha uma prueba (de Derechos, Deberes y Garantías Fundamentales) marcada para dia 12 de Outubro, a sexta-feira em que voltei com a Sanchinha para Santiago. Aliás, voltei por causa da própria prueba. O que não sabia, porque se decidiu durante a semana em que estava no Sul, é que essa prova era oral.

«Ah, boa», imagine-se a minha cara de parvo a olhar para o quadro onde afixam as salas de exame. Mal consegui responder à colega que me reconheceu e perguntou se eu sabia onde era o Anfiteatro 3. Por acaso, vá lá, para essa pergunta até estava preparado.

O problema de ser oral, para quem ainda não percebeu, é porque é como jogar à roleta. Qualquer pergunta pode sair, de qualquer matéria e com o grau de dificuldade que o professor, ou professores, bem entender. Eu não tinha estudado muito, mas o suficiente para uma prueba escrita como a primeira, com algumas perguntas genéricas. O que eu não ainda não alcançara é que esse teste não tinha corrido tão bem como eu pensava. O meu estudo abarcava umas horinhas no bus de Castro para Santiago, em que fui lançando impropérios sobre a matéria como «Mas quem é que precisa de saber de Direito do Médio Ambiente? Isto é só porcarias do género cultura geral - desenvolvimento sustentável, poluição, blá, blá, blá», e outro par de 60 minutos de manhã, ainda sob o trauma [nem por isso!] do furto insidioso do iPod.

Bueno, vá lá que os professores - dois, mais dois ayudantes - decidiram, ao contrário da minha Clássica, que era por regime de voluntariado. Quem estiver pronto, que se chegue à frente, em vez de se seguir a lista. Eu não estava, de longe. Se fosse em Lisboa, com a pica das orais, provavelmente teria sido o primeiro a levantar o braço. Outro pormenor é que desta vez, ao contrário da primeira prueba, havia um certo formalismo. Os professores de fato e gravata, como sempre, mas os ayudantes também impecáveis - o Gonzalo num fato de tom beige claro, gravata a condizer, e a Marcela de saia preta e camisa branca. Sim, trato-os pelos nomes porque os ayudantes cá são mais monitores que assistentes, o que é dizer que têm, no máximo, a minha idade. Toda a gente os trata por tu.

E eu, bem, eu, que na longíqua prova escrita me apresentara semi-pipi, de camisa e sapatos de vela, estava agora de ténis e long-sleeve. Vá lá que era preta, mais discreta, e tinha feito a barba quando chegara a Casa. A minha preocupação, de qualquer maneira, era outra. Era saber a matéria bem. E isso, ao lado de ver compañeros de clase de ténis, t-shirt larga e barba por fazer, varreu de vez o aspecto formal da minha cabeça.

Lá ganhei duas horas enquanto assistia às provas. No geral, sabia responder a metade das perguntas que estavam a ser feitas. Ninguém estava a chumbar - as notas são dadas na hora - e só a primeira voluntária corajosa tinha tido um 4 (equivalente a 10 em Portugal). Ia dizendo à Xinha, afastada para eu estudar, que ia ser o primeiro a chumbar, se não o único. Estava tão absorto (com medo?) que quando me perguntou uma colega qual era o meu apelido, não percebi. Só quando ela teve pena do "chico extranjero" e soletrou lentamente «T-U L-E-T-R-A» é que percebi o que queria. «C». E ai que os B já foram.

«Cordeiro».

Chegou a hora. Lá desci as escadas do auditório. E, como me acontece em Lisboa, estava calmo. Era indiferente. Quando faço orais pára tudo. É a coisa que me deixa mais desligado do mundo, dos meus problemas, da minha obsessão em resolver a crise da Segurança Social, da confusão que me faz o Sporting não limpar os jogos todos em Alvalade, de tudo e mais alguma coisa. Fazer uma oral. Frente a frente, olhos nos olhos com o professor. Saiba ou não a matéria, já aprendi alguns truques de como "pedir ajuda" ao interlocutor, aproximando-me do que querem que responda pouco a pouco. Ou, pura e simplesmente, de dizer «não sei», quando não vale a pena a aproximação. É um jogo duplo. Os conhecimentos são 90% do que se exige porque para se ter a nota que se deseja os outros 10% dependem da sorte, da calma, da concentração. Se estiver muito nervoso a garganta seca e fecha-se no fim da primeira frase e aí, meus amigos, acabou. Game over.

Qual efeito psicossomático, agora levo sempre uma garrafa de água. Pode ser que esteja tão fluido que nem precise, até porque pode nem estar calor. Mas se alguma hesitação começa a secar o céu da boca tenho ali a amiga ao lado. O que dá momentos curiosos, em que se revela um desprendimento saudável como «Desculpe, senhor professor», e dá-se dois ou três goles a meio de um raciocínio, para refrescar a boca e as ideias, para incredulidade da assistência com tal desplante mas com sorriso cúmplice do professor.

Voltando a Santiago. [até porque não sou nenhum Platão, Marcelo Rebelo de Sousa ou Daniel Kaffee, que domine assim tanto as orais; safo-me, vá]

A pergunta sai disparada, era o único tema de que ainda não se tinha falado. Era tão pouco importante que nem me lembrava de não ter ouvido nenhuma questão sobre ele e, obviamente, era aquele a que tinha dedicado menos tempo de estudo. Claro, era o dos impropérios, o derecho a un medio ambiente libre de contaminación. «O que é isso? Meio ambiente? Livre de contaminação? É importante? Como funciona? Olhe que é igual em Portugal...» Boa, ainda bem que é uma matéria que nunca na vida estudaria, porque não tenho de, em Portugal.

Lá me lembrei de uns conceitos, mas... O mas foi o espanhol. É que já estava há duas semanas com a Xinha e andava a falar muito mais português que castelhano. Os "desarrollado" saíram com os R fechados, à Lisboa, apesar de já conseguir mandar uns R beirões e castelhanos, rrrrroliços, com a língua a badalar entre o céu e o chão da boca. Nesse dia, nada. Essa e outras. Como aquela frase «No, porque este es un derecho que está garantido... [risos nas galerias] hummm... garantízado, blá, blá, blá».

Mau espanhol à parte, o que fica nos livros é a nota. Sem saber a nota do teste anterior, mas sabendo que estava abaixo do 4 mínimo exigível, precisava de um 4,5 ou um 5, vá lá, para acabar com uma média de pruebas positiva.

«Hummm, muy bien... 5,5», sentencia o Profesor Rodrigo Díaz de Valdés, vestido sem falha de fato italiano e de aparência de jovem lorde.

«Gracias», só consegue dizer este desconcertado portuga, ainda a maldizer o seu espanhol, sem se aperceber que acabara de sacar um 15.

«Ah, y tu paper, muy bueno», elogia o Gonzalo, acenando com a cabeça.

O sorriso abre-se. «Sí? Gracias». Já sabia a minha nota do meu primeiro paper/ensaio em espanhol de sempre, que tinha feito há umas semanas. Já tinha visto a pontuação na net dois dias antes.

6,4, que é como quem diz 18. Dezoito. Devia ter vindo estudar para cá há quatro anos atrás.

4 comentários:

Anónimo disse...

que intensidade! ate fiquei com taquicardia...

Manu disse...

isto de vir para aqui gozar com o trabalho dos outros...

Anónimo disse...

Pois, os truques do Leo McGarry ajudam nestas coisas...

Anónimo disse...

Querido Manu, como não tenho pc a funcionar em casa, roubo aqui uns minutos ao do trabalho...Sabe que o leio com tanto prazer quanto ao Luis Sepulveda?...e não creio que o factor "família" influencie por aí além! Quem sabe se a Sara Wheeler não arranjou concorrência?
Tanbém é bom partilhar um Manu que é mais falador do que em Lx (para mim, claro). Para além da família restrita, o resto é um pouco paisagem, certo? (digo-o com alguma melancolia). Estou a adorar o blog.Obrigada.Beijo grande da tia Ana