7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


6.2.08

Espectros

[17 a 20 de Janeiro de 2008]

O regresso a Santiago fica marcado pela nostalgia. E pelos fantasmas, uns que lá encontrei e outros que lá deixei.

A Casa Suecia, reduzida a escombros numa das cozinhas e a residentes espalhados pelos quartos, surge como um qualquer hostel. Pior. É uma casa que já foi minha mas que ainda näo deixou de ser. Mostro orgulhoso os espaços, domino as cozinhas e as áreas comuns, mas näo tenho pessoas para apresentar às oito e meia da manhä daquela quinta-feira. A Maria, mäe adoptiva disfarçada de empregada, há-de aparecer, como a Nohemi, mexicana espampanante que se adivinha pela voz esganiçada na entrada. E a Nany, México também, que lá estava com uma irmä e uma amiga, mais os chilenos Dani (coreano de nascença) e Carlos, que ficaräo mais um semestre. Começa a compor-se, penso. Mas as conversas recaem sempre nas saídas dos conhecidos e nas próximas, muito próximas, chegadas de desconhecidos.

O Joaquín (equatoriano, um dos meus irmäos suecos mais próximos) havia de ir acordar-me já eu dormia, depois de um dia ao sol, quente, tórrido, em que mostrei Santiago ao Bessa, com os Andes como espectro por trás do smog, também ele um fantasma santiaguino costumeiro. Foi uma noite de carrete, em que passámos chanchos no Subterräneo, terminando em Casa abraçados quase a chorar diante de fotografias do nosso semestre (o Bessa ficou a dormir nessa noite, o que me permitiu umas liberdades emocionais). E o Juan (um "tío" espanhol, outro grande mano de armas), que se veio despedir de propósito dois dias depois, cujos reencontros ficaram pendentes para Madrid e Lisboa.

Mais os Icos (Mico, Chico e Kiko) e o Guilherme (os três primeiros tugas-chilenos residentes e o último companheiro das últimas semanas de semestre), que fizeram um desvio ao plano original da sua viagem para mais uma última noite comigo em Santiago. Uma noitada em que o taxista Hugo, nosso condutor nas fiestas no Chile, se despediu sudamericanamente de abraço e beijo, e em que esgotámos o que o Sala Murano, nossa discoteca de eleiçäo, nos podia oferecer, em väo procurando acima das cabeças os outros portugueses, dançando ao som do reggaeton com uma chilena menos feia (ou gira, coisa rara) que encontrassem, de "piscola" (pisco e Coca-Cola) na mäo.

E a Sanchinha (que finalmente se juntou a nós), para quem esta re-passagem por Santiago fica marcada por um espectro da alegria que teve antes, pela angústia de uma mochila perdida em Buenos Aires que lá acabou por aparecer. Umas 24 horas de espera que nos fizeram dormir uma noite clandestinos na Casa Suecia, levando-me a sair de manhäzinha, pela porta pequena, ainda que com uma mensagem gravada a verde nas paredes no hall de entrada e de recuerdos. [desfeita à dona, merecida pelo que nos cobrou em excesso nessas noites e durante o semestre]

Espectro foi também Valpo, vista à pressäo, que com o céu tapado näo mostrou metade dos seus encantos, numa visita fugidia que nos levou também a Viña del Mar - que näo conheci bem e bem que gostava - e à praia de Reñaca com aqueles tugas-chilenos.

Espectros. Fantasmas. Sombras. Fecho os olhos e vejo Santiago e a Casa Suecia deixarem correr o seu destino. As nossas marcas nas paredes, nos móveis, no cheiro da casa näo säo mais do que espectros do nosso semestre. As festas e as pessoas dos nossos cinco meses säo fantasmas que assombraräo quem lá viver, de passagem por um semestre ou outro. Sombras vivas que parecem sair das paredes e contar estórias. "E quando nevou.."; "E aquele que adormeceu aqui..."; "E quando tirámos os móveis todos e..."; "E quando o outro caíu do telhado..."; "E aquele casalinho...".

As pessoas escutaräo, assombradas, e diräo para si próprias, como eu disse em Agosto, que teräo o melhor grupo e o melhor semestre de sempre. E um de nós, ou o nosso espectro, suspirará e dirá para o ar, como cantávamos entre nós a música que agarrou o fim dos nossos dias na Casa Suecia - "I hope you have the time of your life".

2 comentários:

Anónimo disse...

ai Manel, até fiquei sem fôlego ao ler estes últimos posts...

Anónimo disse...

ai ai ai... é mesmo assim tal e qual... é importante saber dizer adeus aos "espectros" e sair de cabeça erguida e alma cheia antes de os ver a perderem cor e tornarem-se transparentes... "Nunca voltes ao lugar onde foste feliz"... antes, guarda-o no coração com as cores originais e os risos que o habitaram...

Por cá espera-o uma vida diferente em paisagens familiares. Mas quando vivemos o tal "time of our life" nunca voltamos a ser os mesmos... Boa viagem para casa meu anjo :)