7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


14.10.07

II. Por la Panamericana

Olho pela janela do autocarro, numa qualquer viagem pelo Sul do Chile. O céu azul, em vários tons, arrasta uma melancolia de fim de dia. Ou de princípio da manhã. O azul, do céu e do mar, afagou-nos ao longo das viagens nas Fiestas Pátrias. Inspiro profundamente, fechando os olhos, e quando os abro parece que estou à saída de La Serena, céu limpo e luz clara a abrir-nos o caminho rumo a Norte...

Faixa 02. Bob Marley & The Wailers - Satisfy My Soul


[à porta do Hostal Croata, prontos para sair depois de uma calma noite de sono em La Serena]

La Serena. A Serena. Não se pode dizer que a ficámos a conhecer, mas é dela que partimos definitivamente para o que se pode chamar de outro mundo. Despedida ao sabor de um McDonalds engolido calmamente, o único fast-food capitalista entre os 1361 kms que separam Santiago e Antofagasta. O grupo hesita sobre o caminho a seguir. Directamente para Antofagasta, já lá no topo; com segurança e ligeireza pela costa, ver uns pinguins e uns spots de surf. Ah o mar, sempre o mar. Como é que viveriam os portugueses sem ele? Lá seguimos, para onde quer que a estrada nos leve, sem pressas.

Rodamos os condutores e os passageiros dos carros. De companhia, o deserto e o oceano. E o sol e a música. Uma química estranha atravessa o grupo todo, um entusiasmo quase infantil. É isto a felicidade? Santiago para trás das costas, o Norte Chico e o Norte Grande chilenos pela frente, as pruebas, qualquer dificuldade em falar espanhol, a poluição da cidade desvanecem-se a cada quilómetro que passa. Até parece que vivemos infelizes na capital! Nada disso; mas, tal como no fim-de-semana em Valpo, há alguma coisa no ar nestas viagens. Santiago é ainda desenvolvimento, Europa, habitual. Uma língua de alcatrão entre o Atacama, Andes e o Pacífico é aquilo com que sonhávamos ainda em Lisboa, ou quando decidimos e pusemos no papel de candidatura de intercâmbio - "PUC Santiago, Chile". É por isto as saudades, é por isto o arriscar vir até tão longe. É isto que nos satisfaz a alma e nos faz sorrir.


[algures na Ruta 5, rumo a Norte, o grupo tuga;
da esquerda para a direita; Gonçalo C., Mico, Manel, João, Bernardo, Diogo, Tomaz, Chico, Gonçalo M., Miguel]

A paisagem muda quando a Panamericana (Ruta 5, no Chile) nos afasta do mar, em direcção a Copiapó, coração da III Región, a de Atacama. Daqui se parte em direcção ao maior vulcão em actividade em todo o nosso Mundo, o Ojos del Salado. Ainda há quem levante a hipótese de fugirmos ao nosso destino e rumarmos a Leste. Não, decidimos, para San Pedro de Atacama, tranquilamente mas em força. O que nos obriga a desviar de novo para o Pacífico, para Caldera e a sua praia irmã, a Bahía Inglesa. O alojamento está complicado mas lá encontramos uma solução económica na Plaza Central de Caldera, onde já se festejam as Fiestas Pátrias. É a Residencial Millaray, que partilha a entrada com um salón de beleza, como se pode ver no link. Caricato, mas bem sudamericano.

Depois de uma Cristalina noite de choripan, bruschetas e empanadas, estamos listos para o primeiro enorme esticão da viagem. Directos de Caldera a San Pedro de Atacama, com paragem em Antofagasta para jantar. São oitocentos e tantos quilómetros. Com descanso, rotação de lugares nos carros, boa música e cigarros para os necessitados, tudo se faz. E espírito, que isto de dez marmanjos enfiados em jipes pode dar para nos chatearmos todos. O que nunca foi o caso.


[frente ao areal branco e ao mar azul claro da Bahía Inglesa;
Gonçalo C., Gonçalo M., Mico, Tomaz, Miguel, Diogo, Bernardo, João, Chico e Manel]

Faixa 03. The Killers - Mr. Brightside

A estrada abre-se para que fujamos deste Norte Chico que nos acolhe há dois dias, desde a saída sexta-feira à tarde de Santiago até esta manhã de domingo, 16 de Setembro de 2007. Com um ritmo Indie a puxar por nós no rádio do carro, é hora de subir pelo Norte Grande adentro. Seguimos junto à costa a maior parte da manhã, com pequeno desvio por um Santuario de la Naturaleza, o Granito Orbicular. Conjunto de formações graníticas com formas estranhas criadas por acção natural, a erosão da água do mar e do vento. Um pequeno rally todo-o-terreno, graças aos nuestros jipes.

E lá seguimos por la Panamericana, essa carretera que atravessa as três Américas, do Alasca à periferia da Antártida (ver traçado aqui). Em termos transversais, corre do Yucon ate Quellón, na ilha de Chiloé, Chile. Mas, paralelamente, corta o Chile em Santiago e liga Valparaíso, nossa velha conhecida -link- a Buenos Aires, para que os argentinos não se sintam excluídos. Não é uma auto-estrada. É um sistema de estradas, daí ser possível continuar para Sul e para Este ao mesmo tempo. É, no entanto, considerada a maior carretera, ou estrada, do Mundo. E é mítica, pelo menos para mim, já que não só o nome como a sua importância já o (agora) meu homónimo Manu Chao -link- a cantava (em Welcome to Tijuana, cidade mexicana por onde a Panam passa, e que, curiosamente, começou a tocar no computador enquanto escrevia este post), e que a correu para ficar a conhecer a Sudamérica, o que o inspirou e inspira a criar música profundamente bolivariana. [de Bolívar, Sudamérica e bolivarianismo falarei algum dia, até ao fim destes merry blues, em Fevereiro; temos tempo...]


[por la Panamericana, entre o Pacífico e o Atacama, com os Andes como pano de fundo]

Paragem em Chañaral para almoçar. É uma cidade estranha, com um ritmo desnivelado. Meio estação de serviço em tamanho pueblo pobre, com bombas de gasolina e talleres de volcanización (oficinas de recauchutagem) a bordejar a Ruta 5, um quarto balneário do pacífico, para onde milhares de pessoas acorrem no Verão (presumo que "de escassos recursos económicos", esse pobre eufemismo para "pobres" ou, melhor, "remediados"), e um último quarto cidade suja. O céu, agora e aqui cinzento, não ajuda, acentuando a falta de energia de Chañaral. Mas o sabor é de Sudamérica, era isto que queríamos, e venha de lá esse congrio frito a la casa. Ah, no meio da confusão, de gente que sobe para buses, uma feira artesanal e adolescentes nativos ébrios, encontro uma Bata (sim, esta cadeia de lojas, capitalismo em força).


[Chañaral, cores esbatidas debaixo de um céu cinzento]

À tarde, interrompemos o caminho directo para passarmos pela Reserva Nacional Pan de Azúcar -link-, onde se pode ver um pouco de tudo. Montanhas rochosas e secas escarpadas junto ao Pacífico, praias de areal sem fim, povo maluco que acampa ao frio, e fauna marinha interessante, como leões-do-mar e pinguins (não, não pingolins - pingolim é matraquilho; vêem como me mantenho atento?!). Acabamos por só ver paisagens, mas retomamos a Ruta 5 rumo a Norte motivados, com o espírito em alta. Aqui caberia um vídeo que fizemos enquanto tirávamos mais uma fotografia de grupo, mas está de uma alegria tão infantil que me auto-censuro. Parecemos crianças, aos saltos e aos gritos, as omnipresentes bandeiras portuguesa e chilena na mão, os tais dez marmanjos tugas. Ponham a imaginação a funcionar, porque provavelmente nunca verão este vídeo de homens, pois, homens já, de vinte e alguns anos, aos berros para o deserto e para a carretera como se tivessem 12 anos. Depois dessa manifestação de juvenilismo, lá entramos no Norte Grande, com Antofagasta a já 200 kms, quando o sol se põe.


[o pôr-do-sol e o efeito da mistura das nuvens e o enxofre das minas, algures no Atacama, a meio caminho entre Caldera e Antofagasta]

Faixa 04. Wolf Parade - I'll Believe in Anything

Antofagasta, capital da II Región, com o mesmo nome, aproxima-se, a noite já fechada sobre o deserto. Algum movimento, muitos autocarros de turismo, que são mais de 50% dos veículos que circulam nas estradas inter-urbanas chilenas. Frio cortante sente-se já dentro dos carros, alguma fome que aperta. É, em termos de caminho, a parte mais complicada da viagem, porque estamos cansados, hambrientos e algo enregelados. Daí a necessidade de um som mais enérgico, esta baptizada a "música do Mico", o único que se atrevia a passar minutos de cabeça ao vento, janela aberta, para grande sofrimento de quem seguia com ele no jipe. Um pormenor sobre Antofagasta - o Stefan, alemão que esteve connosco em Valpo e que foi agora adoptado como um tuga honorário, escreveu "FEO" junto ao nome desta ciudad no mapa. E não mentiu. Cidade portuária, de má fama, ruas escurecidas e a dar para o porco, restaurantes fechados ou de aspecto gorduroso, bares e hotéis de reputação duvidosa, Antofagasta acolheu-nos para jantar, não sem antes testar a nossa paciência e energia ao levar-nos para sentidos proibidos e labirintos de ruas. Lá acabámos com uma parrillada à frente, a comer depressa e em silêncio, tal era a necessidade de forças em forma de carne, muita carne, e empanadas de queijo. Salva-se o karaoke junto à praia, cujos vídeos se vão manter censurados até autorização dos artistas.


[fábricas à entrada de Antofagasta vistas do carro;
o único jogo de luzes que permite fugir ao escuro e sujo da cidade]

De músculos retemperados, embora o sono leve alguns a adormecer, lá seguimos para o último troço, penetrando no deserto profundo, rumo a San Pedro de Atacama através de Calama. Já cheira a sal.

4 comentários:

Anónimo disse...

Até que enfim, já era tempo de contar mais um pouco da viagem!!!Ainda bem que só vou sabendo das andanças do meu menino depois de acontecerem, ficaria muito preocupada se sonhasse, sequer, o que estavam a planear... Muito interessante seguir a descrição complementando com a informação dos links, deve dar um grande trabalhão montar isso tudo! O meu filho é mesmo muito inteligente!!! Só tem que ensinar a mãe a ouvir as músicas sem deitar a ligação sempre abaixo, tenho que fazer uns malabarismos técnicos para conseguir conciliar tudo... mas lá vou conseguindo!
Obrigada por partilhar as suas experiências com as gentes de Portugal!!!!

Anónimo disse...

Na foto em que estão em frente aos carros tenho várias coisas a perguntar:
1º Que bronze fantástico é esse ??
2º O gajo que tá em pé de braços aberto entrou no Face/Off nao entrou ?? é o Ivan Dubov http://www.imdb.com/name/nm0061777/
3º Porque é que ninguem tem nome ? Sao todos Mico Pipo Tico Teco Lilo Lelo Xico Fipo ....
4º Porque é que os dois gajos do S.Joao de Brito tao com ar de maus ?? É pra intimidar ??

Saudaçoes Cariocas

PS. Pra nao dizeres que nao assino ANDRE SOUSA BESSA

Anónimo disse...

Eu queria só dizer que as observações de André Sousa Bessa são extremamente pertinentes...

Manu disse...

chegou à minha atenção que o comentário assinado por André Sousa Bessa não é de facto da autoria desse ilustre emigra tuga em terras cariocas. de modos que não haverá uma resposta às observações efectuadas, independentemente do seu grau de pertinência, enquanto essa pessoa não assumir a sua identidade. Ou que ao menos se assuma como anónimo.

ps - no caso de seres mesmo tu bessa, és um bocado bi-polar...