7 Meses na América do Sul

A PUC de Santiago, o Direito chileno, o pisco e as empanadas, os Andes, o Pacífico, a Sudamérica, Rapa-Nui ... enfim, La Libertad.


2.9.07

Espírito de protesto

Parou tudo. A faculdade envia vários mails - «A faculdade encerra as suas actividades às 16h»; «Afinal encerra às 15h»; «Não, último aviso, a partir das 13.30h todas as actividades académicas cessam». As pessoas evitam andar de transportes, com medo de paralisação. Os jornais fazem manchetes e não se fala de outra coisa. Quarta-feira, 29 de Agosto, é dia de protesta. A CUT - Central Unitaria de Trabajadores - marca greve geral nacional. De uma forma global, pelo descontentamento com a Presidenta (cá dizem mesmo assim) Michelle Bachelet, da coligação La Concertación, que agrupa partidos sociais-democratas (esquerda moderada) e democratas cristãos (direita moderada).

O Chile vive, social e politicamente, num equilíbrio ideológico entre a esquerda quase-revolucionária e o Cristianismo. Tudo isto, obviamente, é deixado de lado com a necessidade de se adaptar a um mundo capitalista e, assim, o Chile tornou-se uma economia neoliberal, que lhe permitiu, nestas quase duas décadas de democracia, tornar-se a economia mais desenvolvida da Sudamérica.

Por esta viragem capitalista, nenhum presidente, mesmo que originário da esquerda - como é o caso de La Presidenta - terá sossego. Não sei se as manifestações são frequentes mas são mediáticas, pelo menos.

Como é óbvio, havia alguma excitação entre os estrangeiros para ver a manifestação. Uma coisa diferente, ver o povo na rua, a luta. Ainda mais se estamos na Sudamérica, continente historicamente revolucionário.

Eu, por acaso, tive de ir à faculdade entregar uma coisa e fui mesmo em cima da hora em que ia fechar e notei que havia menos movimento, em geral, como se fosse fim-de-semana. Como a minha faculdade é mesmo no centro - ver mapa de Santiago ao lado - pensei que ainda pudesse ver qualquer coisa, mas sem grande expectativa. À saída, aventurei-me um pouco mais para Este. As lojas fechavam as portas e reforçavam as entradas das lojas com grades de metal, como se preparassem para um motim e não uma marcha de trabalhadores. [curiosamente, os falantes de inglês cá de Casa referiam-se ao protesto como riot e não demonstration] Nas margens das ruas muitos jovens reuniam-se em grupos e gente com ar claramente não andino sacava de máquinas fotográficas. Estava no olho do furacão, portanto.

Calmamente, dou por mim a atravessar a Alameda, a avenida principal, sem perceber que as pessoas se mantinham junto aos prédios. O trânsito fluia bem, com poucos carros, mas sem estar cortado.

E então aconteceu. Pedras começam a chover. Lá percebi porquê, um carro dos Carabineros - «pacos», chileno para bófias - atravessa a rua no mesmo sentido que eu. Vá de fugir para o metro, enquanto os canhões de água varrem os passeios. Jovens, de kefieh (lenço árabe, à Arafat) a tapar a cara, escondiam-se nas esquinas enquanto recolhiam pedras. Afastei-me do perigo e pus-me a observar a situação por uns minutos desde a entrada para o metro. Mais polícias se reuniam - não vi, mas chegaram a utilizar gás lacrimogéneo - e espalhavam-se pela Alameda e perpendiculares em busca dos protestantes.

Tudo isto porque a manifestação não tinha sido organizada pelo governo, tendo a polícia ordem para destroçar qualquer tentativa de protesto nas ruas. E também porque a manifestação foi pequena - só reuniu cerca de 4000 pessoas em Santiago (cidade com 6 milhões) e 450.000 no país inteiro - necessitando da intervenção de jovens anarcas para ganhar mais mediatismos. Saldo final; 600 pessoas presas em todo o Chile e um senador agredido por um polícia, quando quis passar com uma multidão, esta sim pacífica, por uma barreira da polícia.

Calmamente, pus-me no metro e lá fui a um centro comercial catita procurar a Constituição para a prueba de sexta e comer uns crepes.

Nessa noite, ensaiámos na Casa a nossa pequena manifestação. Tínhamos feito um abaixo-assinado protestando contra as condições da Internet e ameaçando não pagar a próxima mensalidade respeitante ao acesso à net nos quartos - 10 lucas, pouco mais de 14 euros - e a Carmen, a senhoria, veio cá para falarmos com ela e com o Alfredo, marido e homem dos computadores. Nada feito, a culpa é nossa que fazemos downloads, etc etc etc. Vai daí votou-se a favor do bloqueio de downloads, com efeito daqui a uma semana. Agora para tirar músicas da Internet só comprando no iTunes ou isso.

Cansado de tanta revolução, ou pseudo, fui dormir cedo com (mais uma) ligeira sensação de nesse dia ter perdido um bom momento para andar com a máquina fotográfica. Deviam inventar uma máquina que se incorporava na retina e era só piscar os olhos. Daí seriam directamente enviadas para o nosso mail. Não sei como é que nunca se pensou nisto.

3 comentários:

Anónimo disse...

Fui espreitar os links, muito interessante o da CUT. Dá para ver videos do youtube sobre a manifestação, até aqueles em que o comentador avisa que "hay mierda": muita pancada e jactos de água, muitos "pacos" de capacete, muitos jovens com ar enfurecido. Mas principalmente consegue ver-se alguma coisa da cidade de Santiago, avenidas largas com bom aspecto. E ouvir-se o espanhol chileno, muito diferente daquele que arranhamos quando vamos a Badajoz! Gostei muito e recomendo a todos que vão lá ver

Anónimo disse...

E eu é que ia para um sitio perigoso ... tábem.
No dia do motim aí nesse país de indios, comi, bebi e dormi .. bem bom ....
Xuaks da Lena *

Anónimo disse...

Ola priminho!!
Voce e um corajoso, com essa ameaca de chuva de pedras acho que me punha logo a milhas..
Gosto imenso de ler o que escreve, de vez em quando la tenho um bocadinho e dou um salto ao seu blog.
Por vezes tambem me arrependo de nao andar sempre com a maquina atras! apoio a ideia da maquina incorporada na retina jejej.
beijinhos grandes da prima mafalda e saudades